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Assassinos de voz meiga

A Conferência de Genebra sobre a paz na Síria é mais uma daquelas manobras sem real conteúdo.

A Conferência de Genebra sobre a paz na Síria convocada para Montreux a 22 de Janeiro é mais uma daquelas manobras sem real conteúdo em que a chamada comunidade internacional instrumentalizada pela NATO, como longo braço armado do imperialismo norte-americano, é fértil.

As potências ocidentais que nela têm assento de relevo, como os EUA, o Reino Unido e a França, são as principais responsáveis pelo caos que se instalou na Síria – no Médio Oriente… -e que tem vitimado centenas de milhares de pessoas e obrigado milhões a procurar refúgio nos países limítrofes ou a arriscarem-se a ir mais longe, os que podem, na tentativa de alcançarem a terra abençoada dos seus algozes que para eles representa o “Eldorado” (ver o romance com este nome de Laurent Gaudé)

Aquilo que mais não foi que uma intercepção armada das revoltas populares a que se chamou primaveras árabes, a criação e estimulo de resistências armadas hegemonizadas e controladas pelos grupos fundamentalistas, como na Líbia e agora na Síria, foi obra dessas mesmas potências temerosas que a luta pela democracia tivesse inscrita a vontade popular expressa pelas multidões que enfrentaram os ditadores e a sua repressão brutal como foi o caso da resposta de Bashar Assad.

Não se trata de falta de confiança no poder das massas em movimento; trata-se exactamente do contrário: do receio do que as massas em revolta possam impor às regras estritas do império.

E essas regras determinam que a democracia só serve se autorizada e controlada pelos que delas se apossaram, os seus donos que, em desespero de causa, preferem sempre as ditaduras.

O caos e a mortandade como alternativa ao poder dos povos. É essa a regra escondida por detrás da inerte Declaração Universal dos Direitos Humanos arquivada nos subterrâneos da ONU.

Uma solução política! clamam os que a impediram e lançaram todos os terrorismos e fundamentalismos à disputa do prémio para quem melhor arrasar, destruir e chacinar. Os inimigos do meu inimigo meus amigos são; o que quer dizer que o petróleo ou o controlo do seu escoamento são a base material da minha ética, da moral a instituir, a alternativa real à Carta da ONU

Desde a operação Choque e Pavor que os assassinos de voz meiga, e os seus propagandistas ideológicos, têm vindo a afirmar-se como as pedras indispensáveis no complexo xadrez das relações internacionais dos países civilizados.

AnchorNa verdade há razões para acreditar que a grande iniciativa dos neocon, o novo Pearl Harbour, como foi a designação preparada por Donald Rumsfeld para o previsto 11 de setembro de 2001, já tinha sido o primeiro acto hediondo de afirmação desse bando internacional de criminosos sem escrúpulos e desalmados orientado pela grande finança mundial.

Mas essa narrativa (!) ainda está por desconstruir e Obama não parece interessado em dar os passos necessários para o desmascaramento da matilha que governou os EUA sob a orientação de Bush ou, melhor dizendo, usando Bush como fantoche de fachada. Obama ou não passa de um sinistro matador à distância ou então, se estivesse interessado na paz como alguns admiradores como Mário Soares fazem correr, está tolhido pelo medo que lhe aconteça o mesmo que a JFK, o tal que foi assassinado em Dallas em Novembro de 1963. E foi-o porque, apesar de todas as hesitações, mantinha linhas de contacto com Kruchtchov para acabar com o clima e a ideologia da guerra fria e procurava entender-se com Fidel Castro para estabelecimento de relações normais e decentes entre os EUA e Cuba. [ver James W. Douglass, JFK & the Unspeakable.Why he died and why it matters. Orbis Books (Maryknoll, New York)]

O Pentágono (instrumento do complexo industrial militar) e a CIA são os donos todo poderosos dos EUA e é com eles que a FED (Reserva Federal, que é constituída pela Banca privada, como o Goldman Sachs e Cª.) conta em última instância.

A invasão do Afeganistão serviu para lançar o protótipo avançado dos drones: matar a partir do remanso de cabines instaladas num arranha-céus com vista panorâmica, a meia hora de casa e a pouco mais de cem metros do bar mais próximo, em plena civilização ocidental.

Menos de dois anos depois, a operação “Choque e Pavor” fez jus à sua designação. A invasão do Iraque, preparada pela razia humana, patrimonial e militar provocada pela “Tempestade do Deserto” do pai Bush dez anos antes, desencadeou a maior e mais desvairada desumanidade desde que a Europa da cultura e da civilização avançada se auto-flagelou sem dó nem piedade nas duas Guerras Mundiais.

A ocupação do território não aconselhou a utilização maciça de bombas fabricadas com urânio enfraquecido como acontecera com os tapetes de bombas enviados pelo papá em 1991. Contentaram-se com as bombas de fósforo branco de que Fallujah foi exemplo inesquecível.

Neste contexto, convém não esquecer que o nazismo confessional inventado pelas vítimas do holocausto há muito que, apesar de entrar no campeonato de futebol europeu, da UEFA, pratica a barbárie social, política e militar contra os palestinianos, usando terminologia adequada para as suas chacinas: “Operação Chumbo Fundido” foi a designação da razia sobre a Faixa de Gaza em 2008, em que o fósforo branco e as bombas de fragmentação se iam esgotando tal a facilidade consumista da sua utilização pelas tropas israelitas.

Essa operação, convém não esquecer, foi a causa de a nossa imprensa bem comportada defender a lógica do paradoxo: Ariel Sharon, um assassino de voz grossa, responsável pelos massacres de Sabra e Chatilla, só não foi responsável pela operação “Chumbo Fundido” porque se encontrava em “estado vegetativo, onde deveria ter ficado mal nasceu. Depois da sua morte foi celebrado pelos assassinos de voz meiga por ter acabado com os colonatos na faixa de Gaza, em 2005. De facto, como grande estratega, decidiu tirar de lá os colonos judeus, “sangue do meu sangue”, para não serem vítimas dos bombardeios como se de palestinianos se tratasse.

É esta escória da humanidade, os celebrantes da chacina, que se reúne em Genebra para, com o maior desplante, fingir que se preocupa com a guerra desvairada que provocou intencionalmente.

Mas os assassinos de voz meiga crescem como cogumelos por todo o lado e nas mais, só aparentemente, desencontradas situações.

Eles são os mesmos da austeridade que assola os povos sob comando da finança e do Pentágono.

Eles estão nos governos fazendo passar-se por pessoas. Matam que se farta provocando a carência, a inanição,a fome, a doença, o desespero,o suicídio, a morte por falta de meios e de cuidados. Provocando a estiolação da cultura e da capacidade científica de povos inteiros Eles andam por aí – “There’s no scape/ the big pricks are out /They’ll fuck everything in sight/Watch your back” (Harold Pinter, WAR, março 2003, mês de início da “Choque e Pavor”).

Se quiser encontrá-los basta abrir a televisão, ler o jornal . Eles estão em Bruxelas, em Berlim, em Frankfurt, no Eliseu, em Downing Street, na Casa Branca, em Nova York onde se apoderaram da ONU das nações, ou então se, como penso não tem dinheiro para a viagem, dê um passeio até à Gomes Teixeira.

Sobre o/a autor(a)

Coronel na reforma. Militar de Abril. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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