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Arquitetura para as pessoas precisa de ideias?

Há cerca de um mês atrás, algumas notícias contavam que a Faculdade de Arquitetura de Lisboa tem dívidas incomportáveis e que ameaça fechar portões, portas, janelas.

Em 1974, havia um país a sair de umas décadas de ditadura, havia uma população demasiado iletrada e pobre. Em 1974 começavam a ser construídos os alicerces do Estado Social.

E era nesse mesmo ano em que um conjunto de pessoas da arquitetura, da engenharia, de direito, da geografia, da sociologia, uns estudantes, outros não, se juntava a um conjunto de moradores e moradoras de vários bairros sociais e desenvolviam o "Serviço Ambulatório de Apoio Local" (SAAL). Decretava o despacho do governo provisório que o SAAL seria o "corpo técnico especializado que numa primeira fase experimental e em face das graves carências habitacionais designadamente nas principais aglomerações, aliadas às dificuldades em fazer arrancar programas de construção convencional a curto prazo e se destinava a apoiar, através das Câmaras Municipais, as iniciativas de populações mal alojadas".

Em 2012 há um país a entrar a pique numa crise histórica, há uma população a empobrecer muito acima do "limite máximo de velocidade". Em 2012 estão a ser destruídas todas as paredes e tectos do Estado Social.

E é neste mesmo ano em que um conjunto de pessoas da arquitetura, da engenharia, de direito, do design, uns estudantes, outros não, se juntam a outras que são proprietárias de edifícios devolutos no centro do Porto e se juntam também a empresas de construção e a instituições universitárias e desenvolvem o "Arrebita!Porto". É este um projeto que identifica que o "problema está na incapacidade do modelo de mercado funcionar para a reabilitação: não é rentável reabilitar ou para o ser, o segmento alvo é limitado às classes privilegiadas. Qualquer resposta tem então de ter por base o princípio desta inversão". É um projeto premiado por desenvolver "um sistema colaborativo em que o valor de um edifício reabilitado seja criado por meio de trocas e contrapartidas e não pelo pagamento de serviços em dinheiro. Desta forma, o projeto Arrebita!Porto permitirá a proprietários sem recursos reabilitar os seus edifícios degradados ou devolutos a custo zero".

Há cerca de um mês atrás, algumas notícias contavam que a Faculdade de Arquitetura de Lisboa tem dívidas incomportáveis e que ameaça fechar portões, portas, janelas. Dezenas de docentes já tiveram "dispensa", os salários de funcionárias e funcionários está em risco de não ser pago nos próximos meses, alguns cursos estão em vias de deixar de existir. Desistir é uma solução fácil para diminuir os "custos", há-de cair dinheiro de algum lado para pagar as dívidas e, seja como for, há tanta gente que acha que há demasiados arquitetos e arquitetas que pode ser que ninguém se queixe por fechar a faculdade.

Só talvez seja pena que com "tantos" arquitetos e arquitetas, as cidades deste país cresçam à luz da especulação em vez de crescerem com ideias para melhorar a vida das populações. Talvez seja pena que tantos arquitetos e arquitetas sejam assalariados, precarizados, mal pagos ou nem sequer pagos em ateliers de campos de golfe e hotéis de umas quantas estrelas. Talvez seja pena que esta gente nestas condições e a gente que ainda não começou a vivê-las tenha pouco espaço para articular com o resto da sociedade respostas para o espaço comum. Talvez seja pena que a direção da universidade (e outras direções que por aí andam) ensaie soluções de costas voltadas para quem habita o mesmo universo e não se esforce mais em procurar ideias conjuntas com estudantes, funcionários, funcionárias, docentes. Talvez seja pena que os "Sizas", os "Soutos Mouras", os "Byrnes" do SAAL já não tenham nada a dizer publicamente sobre o papel da arquitetura na melhoria das condições de vida das populações. Talvez ainda haja futuro, depois do presente, longe dos "empreendedorismos" egoístas mas perto das solidariedades e das cooperações. Talvez haja ideias aí a borbulhar.

Sobre o/a autor(a)

Arquitecta paisagista
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