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Apagar sem pedir desculpa

Quase 15 000 pessoas morreram de covid-19 em Portugal mas não foi essa a razão que levou o grupo negacionista dos "Médicos pela Verdade" a suspender actividade, redes sociais e respectivo site.

Nem tão-pouco as quase 800.000 infecções registadas no nosso país ou os 107,3 milhões de casos no Mundo. Ou o caminho que se trilha, inevitável, para as 2,5 milhões de mortes à escala global. A razão que leva os ensandecidos doutores a encerrar temporariamente as portas é "a perseguição e o sofrimento a que foram vetados". Leia-se, os processos disciplinares e as punições finalmente administradas em veia pela Ordem dos Médicos.

Irresponsáveis, contrários ao uso da máscara, adversários do confinamento, contestatários da gravidade da pandemia e dos testes PCR, opositores do isolamento de infectados assintomáticos, burlões capazes de ensinar como forjar resultados dos testes à covid, têm a coragem de nos deixar, sentimentais, com um até breve repleto de lamentos: "chegámos ao limite do sofrimento". Vacinas para este vírus, há? Na impossibilidade de cura, que não falte coragem para, determinadamente, afastar estes "profissionais" da possibilidade de acesso a qualquer profissão relacionada com o exercício da saúde pública. A não ser que a cloroquina lave mais branco.

A responsabilidade acarreta custos. Neste momento particularmente sensível, colectivamente sentido e partilhado a custo entre todos, a responsabilidade de representar uma classe profissional que batalha na primeira linha contra a pandemia é acrescida. Não se encontra pior momento para que os enfermeiros, profissionais a cuja abnegação e coragem tanto devemos, sejam representados pela malcriadez de uma bastonária em simulação que, embora eleita, envergonha qualquer processo de escolha. Enquanto a ex-bastonária Maria Augusta Sousa pede desculpa pela vergonha alheia, um grupo relevante de profissionais apresenta queixa disciplinar contra Ana Rita Cavaco. A bastonária da Ordem dos Enfermeiros não se limita a ofender pessoas de forma gratuita, olha-se ao espelho publicamente. O "esterco" que usa como adjectivação pessoal e os cumprimentos à memória de um pai falecido são indignos da representação de qualquer ordem profissional e um embaraço que só um processo disciplinar que equacione a sua destituição poderá resolver.

Acredito que sejam mais. Mas há, pelo menos, um denominador comum entre os "Médicos pela Verdade" e Ana Rita Cavaco: ambos apagam publicações sem pedir desculpa. O custo de apagar: a perigosidade e o carácter. Em nenhum dos casos é o arrependimento a fazer "delete".

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 12 de fevereiro de 2021

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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