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Alimentos km zero, para além do marketing

O local, e ainda mais num contexto de crise, vende. Mas, que queremos dizer quando falamos de km zero? Trata-se de uma moda, de uma marca ou de uma aposta na mudança?

Falar de produtos km zero está na moda. O movimento Slow Food começou a promover esse conceito nos anos 90 em defesa de uma alimentação local, saudável e de qualidade. O que denominam como comida “boa, limpa e justa”, em oposição à comida “fast food”. No entanto, agora, até bancos como a Catalunyacaixa promovem os seus serviços com este lema: “Banca km zero, banca de proximidade”. O local, e ainda mais num contexto de crise, vende. Mas, que queremos dizer quando falamos de km zero? Trata-se de uma moda, de uma marca ou de uma aposta na mudança?

Promover os alimentos km zero implica apoiar uma agricultura local, de proximidade, ecológica, sazonal, camponesa, resgatar variedades antigas que estão a desaparecer, comprar diretamente ao pequeno produtor, recuperar a nossa gastronomia

As pessoas do Slow Food têm isso claro. Promover os alimentos km zero implica apoiar uma agricultura local, de proximidade, ecológica, sazonal, camponesa, resgatar variedades antigas que estão a desaparecer, comprar diretamente ao pequeno produtor, recuperar a nossa gastronomia. Uma cozinha em que não há lugar para os transgénicos ou para as culturas que contaminam o meio ambiente e a nossa saúde. Uma alimentação que defende produzir, distribuir e consumir à margem da agro-indústria e dos supermercados. Comer bem, em resumo, em benefício da maioria, seja no campo ou na cidade.

Uma proposta que ganhou apoio. Tanto que alguns a utilizam até como mero instrumento de marketing, esvaziando-a de conteúdo, com o único propósito de vender mais. A Catalunyacaixa é o máximo expoente disso. Não tem vergonha em se definir, na Catalunha, como a “banca km zero″ e acrescenta “trabalhando a partir daqui e para as pessoas daqui”. Em vez disso eu diria: “despejando e defraudando a partir daqui às pessoas daqui”. Os supermercados também apostam nisso. Agora, o Carrefour, o Mercadona, o Alcampo, o Eroski, o El Corte Inglês dizem apostar no local. Esquecem, no entanto, que as suas práticas, precisamente, acabaram com o comércio, o emprego e a agricultura locais.

Trata-se de promover uma produção e um consumo de proximidade com a imprescindível perspetiva da soberania alimentar, devolvendo a capacidade de decisão às pessoas, apostando num mundo rural vivo, com total respeito pela “mãe terra” e em aliança e solidariedade com os outros povos. Precisamente o contrário de chauvinismos e racismos

Em tempos de crise, a comida com bandeira vende. Consome nacional e “pata negra”. Em França, a extrema direita reclama, há anos, o “Made in France”, isso sim, puro sangue. Antes, o Partido Comunista francês abraçava essa consigna. Nos Estados Unidos, os conservadores, nos anos 90, fizeram campanha com a consigna “Buy American” contra o Tratado de Livre Comércio da América do Norte. E aqui, agora, levanta-se o “Feito em Espanha”. Primeiro o da casa, pois. Exigir local, pelo contrário, nada tem a ver com uma questão de bandeiras, mas sim com justiça. O leitmotiv do km zero encontra-se nos antípodas do que defendem aqueles que levantam agora estes lemas.
Trata-se de promover uma produção e um consumo de proximidade com a imprescindível perspetiva da soberania alimentar, devolvendo a capacidade de decisão às pessoas, apostando num mundo rural vivo, com total respeito pela “mãe terra” e em aliança e solidariedade com os outros povos. Precisamente o contrário de chauvinismos e racismos. Nada a ver com o agribusiness e com o poder financeiro. Só assim a defesa do local faz sentido.

Artigo publicado a 4 de abril em publico.es Tradução de Carlos Santos para esquerda.net

Sobre o/a autor(a)

Ativista e investigadora em movimentos sociais e políticas agrícolas e alimentares. Licenciada em jornalismo e mestre em sociologia.
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