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Algumas notas sobre o emprego em Portugal

Está a ser criado mais emprego em Portugal? Qual é a qualidade do emprego criado? A precariedade está a aumentar ou a diminuir? A rotatividade dos trabalhadores nas empresas é elevada? Este artigo responde com clareza a todas estas perguntas.

Primeiro, os dados que permitem comparar a evolução entre o governo PSD-CDS e a atualidade: a taxa de desemprego passou de 12,2% no terceiro trimestre de 2015 para 8,1% no terceiro trimestre de 2017. No mesmo período, a taxa desemprego jovem passou de 32,8% para 23,5%.

Ao todo, desde as eleições legislativas que viraram a página da governação da direita, foram criados 243 mil postos de trabalho. E, neste universo, 166 mil pessoas que conseguiram emprego estavam desempregadas há um ano ou mais. São resultados positivos face à situação deixada pela governação PSD-CDS, mas ainda deixam muito caminho para andar.

Aliás, a posição de PSD e CDS sobre a criação de emprego é absolutamente vergonhosa. Nem sequer preciso de me referir à forma desprezível como Passos Coelho tratou o Bloco de Esquerda. A destruição de emprego realizada por Passos Coelho só rivaliza com a destruição de direitos que, pela trela da troika, o seu governo concretizou. As alterações à lei laboral não ajudaram a recuperação económica, antes aprofundaram a destruição de emprego.

Uma das conclusões que podemos tirar desde já do período de crise é que os precários são os primeiros a ser dispensados das empresas. Por isso é que o número de contratos a prazo atingiu o valor mínimo em 2013, exatamente quando o desemprego atingiu valores máximos. Por isso, precarizar ainda mais as relações laborais num momento em que a economia se encontra em recessão é deitar gasolina para a fogueira da destruição de emprego.

Foi isso que o PSD e o CDS fizeram. No momento da saída de Pedro Passos Coelho, só podemos dizer que não deixa saudades a quem defende trabalho com direitos. Deixando a direita para trás, dado que não contribui positivamente para o debate sobre emprego e precariedade, voltemos às questões que importa responder. Como podemos avaliar a qualidade do emprego em Portugal? A resposta é dada pelo próprio Ministério do Trabalho: "A proporção de contratos a prazo e outros contratos não permanentes no emprego por conta de outrem em Portugal é excessiva e ultrapassa de modo significativo a média europeia."

Os dados confirmam esta afirmação, dado que 22% do emprego em Portugal é precário, enquanto a média europeia está bem abaixo, nos 14%. Aliás, o problema é tão grave que o mesmo ministério reconhece que "esta característica do mercado de trabalho em Portugal é uma "característica estrutural". Acrescenta-se que a taxa de rotatividade dos contratos precários está a bater recordes.

Há um outro aspeto que vale a pena discutir: a criação de emprego tem permitido uma elevação dos salários? Novamente, a resposta é negativa.

A comparação da evolução dos salários reais dá conta de estagnação da massa salarial anual, mesmo tendo o salário mínimo aumentado quase 15% nos últimos anos. É a precariedade que justifica esta estagnação salarial, puxando os salários para baixo.

O que se pode concluir pelos dados apresentados? Primeiro, que a economia criou emprego, beneficiando da nova política de recuperação de rendimentos; segundo, que não tendo existido nenhuma mudança nas leis laborais, o novo emprego criado perpetua a precariedade existente e até tem aumentado a taxa de rotatividade dos contratos. Os direitos dos trabalhadores ainda não beneficiaram do atual momento político e isso nota-se na sua carteira.

Assim, quando António Costa afirma que esta é "uma boa altura para estabilizar a legislação laboral", está a dizer que pretende manter a precariedade existente. Não é compreensível nem aceitável: esta não é uma escolha neutra ou moderada, é manter a maior terraplanagem de direitos do trabalho feita no nosso país.

O que deve ser feito? Reverter as alterações à legislação laboral da direita: repor o princípio do tratamento mais favorável do trabalhador e a garantia da continuidade das convenções coletivas; proteger os trabalhadores dos despedimentos recuperando o valor das compensações e indemnizações por despedimento; retomar o valor do trabalho suplementar e das compensações; acabar com o abuso nos contratos a prazo e penalizar os empregadores pela rotatividade, impedindo o recurso ao trabalho temporário para funções permanentes.

Artigo publicado no jornal “Diário de Notícias” a 15 de fevereiro de 2018

Sobre o/a autor(a)

Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
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