Razões ponderáveis para a defesa da dignidade no trabalho estão em discussão e debate alargado, em sede de especialidade parlamentar, sem que se evite o habitual bloqueio central pelos interesses. O ilusionismo está no nome ("Agenda para o trabalho digno") e não há magia que saque um coelho da cartola, número após número. É de irrelevância que falamos, quando se discute uma dignidade no trabalho que se compagina com a admissão da renúncia, pelo trabalhador, aos direitos que dizem respeito aos seus créditos sobre salários/subsídios ou trabalho suplementar no fim do contrato, a manutenção da caducidade da contratação colectiva ou a presunção de aceitação do despedimento com o recebimento de indemnização. É perante velhos truques que estamos. Nem coelho da cartola, nem golpe de magia, apenas o golpe de asa de abutre.
A repercussão da dinâmica do poder exige, sistematicamente, o cumprimento ponderoso da agenda, gerando novos poderes e novas questões sem resposta. A insustentabilidade é gigante. Alinhar uma agenda pela dignidade no trabalho sem acudir à precariedade dos trabalhadores das plataformas e sem regulação apertada das novas formas de monitorização e avaliação digital como instrumentos utilizáveis em processos de despedimento é um sinal nada intermitente de que as novas realidades servem um dos lados, até que sejam substituídas por novos instrumentos que se encarregarão de tornar os anteriores obsoletos e, então sim, reguláveis. No entretanto, e assim sucessivamente, cumpriram a sua função.
As obrigações de uma maioria absoluta deveriam acarretar, por higiene pública, um acrescido sentimento de náusea perante o exercício da opacidade. O habitual tónus compressor democrático das maiorias subestima a discussão a tempo e esmaga os prazos de consulta parlamentar ou pública. O que hoje se decide em sede de especialidade sobre a "Agenda para o trabalho digno" será um consenso a dois sobre matérias que nunca pretenderam consensualizar e das quais, gritantemente, desviam o olhar. Não sendo isto já suficientemente grave, assistimos a um recuo a pedido. O que havia sido aprovado em matéria de remissão de créditos laborais pode cair perante a pressão de quem manda. Remissão absoluta para a agenda.
Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 3 de fevereiro de 2023