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Açores: Orçamento 2018, tudo é velho e cheira a mofo

Plano e Orçamento para 2018 vêm rotulados com o lema "Novo Ciclo". Lema demasiado fantasioso porque, de facto, nada neste Plano e Orçamento condiz com esta consigna.

O Governo Regional apresenta a esta Assembleia - para debate e aprovação - o Plano e Orçamento para o ano de 2018.

Estes documentos vêm rotulados (sob o grande empenho da Agência de Comunicação do Governo e do Partido Socialista) com o lema "Novo Ciclo". Lema demasiado fantasioso porque, de facto, nada neste Plano e Orçamento condiz com esta consigna. Pelo contrário, tudo é velho e cheira a mofo.

Algumas constatações:

A primeira, é que este Orçamento cimenta uma política que vem de trás, que é contrária aos/às trabalhadores/as, sendo antes mais uma dádiva para os patrões e poderosos da Região.

No seguimento das políticas do Governo Regional, este Orçamento agrava as desigualdades sociais, as quais são um triste recorde que os Açores ostentam, no quadro nacional - sendo este, já por si, um dos piores a nível europeu.

Mas é, exatamente, este, o recorde que a maioria socialista pretende robustecer, com a apresentação destes documentos.

Se não, vejamos:

- Contra a legislação nacional, este Governo não quer pagar aos/às professores/as a compensação por caducidade de contrato.

Por outro lado, proíbe aumentos de ordenado aos/às trabalhadores/as do sector empresarial regional, impedindo estes aumentos, em empresas que não tenham lucro.

Ou seja, para além de imputar aos/às trabalhadores/as as consequências dos erros de gestão, vai ainda mais longe, abrindo a porta a manigâncias financeiras, em empresas participadas. Por exemplo, no grupo EDA, as empresas do grupo podem, artificialmente, dar todas prejuízo, penalizando, assim, quem nelas trabalha. Mas, simultaneamente, a empresa mãe pode dar maiores lucros, satisfazendo, assim, o grupo Bensaúde e deixando cair, até, algumas migalhas para o Partido Comunista da China.

É este o timbre deste Orçamento, no seguimento de práticas, como a utilização abusiva do Estagiar L para contratação de enfermeiros/as, ou a utilização de cerca de 200 trabalhadores (funcionários das Instituições Particulares de Solidariedade Social – IPSS’s) para serviços na Segurança Social. E vale a pena lembrar que estes trabalhadores/as ganham, nalguns casos, metade ou ainda menos, em relação aos/às trabalhadores/as da administração regional.

O princípio de ‘trabalho igual, salário igual’, para esta governação socialista, é retórica poética. Explorar trabalhadores/as é a prática certa.

Mas esta determinação contra os/as trabalhadores/as ultrapassa todos os parâmetros, no que se refere ao processo de descongelamento de carreiras da administração pública regional.

De facto, em resultado do acordo com o Bloco de Esquerda, o Governo da República estava obrigado a descongelar as carreiras. Este compromisso foi assumido no Orçamento de Estado para 2018, devendo ser concretizado, em 2 anos.

Acontece que o Bloco de Esquerda propôs, na República, que fosse dada, às Regiões Autónomas, a capacidade própria para decidir um faseamento desta descongelação diferente. Resultado? O Governo Regional dos Açores mandou o Partido Socialista, na Assembleia da República, votar contra esta proposta.

Dito de outra maneira: o PS/Açores prefere lesar a Autonomia e prefere não usufruir das prerrogativas autonómicas, desde que tal possa reparar uma injustiça lançada contra os/as trabalhadores/as.

Também, neste Orçamento, está ausente qualquer referência à contagem do tempo de serviço dos professores - vazio, no mínimo, lastimável, para um Partido e para um Governo que se diz socialista.

E tudo isto, Senhoras e Senhores Deputados, numa Região que se vangloria de ter as contas em ordem, com uma dívida e um défice que faz sorrir de contentamento a Senhora Merkel.

Contudo, o Bloco de Esquerda tem esperança que o Partido Socialista reconsidere e, por isso mesmo, apresentará propostas para alterar tantas medidas contra quem trabalha.

E apresentaremos, também, uma proposta para reverter o financiamento das IPSS’s. O novo modelo de financiamento não é mais do que, perante funções essenciais do Estado, lançar os/as trabalhadores/as deste sector na pobreza, desresponsabilizar o Governo Regional por esta situação e comprimir (mais uma vez e sempre) os direitos dos seus trabalharadores/as.

E, se juntarmos a isto, a utilização abusiva dos Programas Ocupacionais, temos um retrato perfeito do modelo de relações laborais e de sociedade que o Partido Socialista, nos Açores, almeja. Mais uma vez, a Senhora Merkel, sorri.

Porém, se para os/as trabalhadores/as não há dinheiro, para os empresários e para os mesmos do costume há abundância, mesmo que para isso se tenha que pôr em causa a Autonomia.

Apresenta, agora, o Governo, um programa para dar dinheiro às empresas, para as incentivar a fazer contratos sem termo com os seus trabalhadores/as. Isto é, o lucro líquido garantido é a máxima deste Governo para os empresários.

Nos Açores, os/as contribuintes pagam, muitas vezes a 100%, os investimentos; pagam benefícios fiscais; pagam apoios diversos; e, outra vez, vão pagar, para os patrões contratarem, com decência e legalidade mínima, os/as trabalhadores/as.

Na doutrina liberal do Partido Socialista dos Açores, as empresas não têm obrigações sociais, só têm direitos. Também, por isso, comprovamos, permanentemente, a inoperância da Inspecção de Trabalho.

O Bloco de Esquerda sempre deixou claro o seu apoio às medidas necessárias para garantir empresas sólidas e competitivas, mas tudo tem limites. Por isso, as empresas apoiadas pela Região têm de ser obrigadas a ter nos seus quadros 75% de trabalhadores com contratos sem termo. Quanto mais não seja, porque estamos em época de crescimento económico.

Ainda em relação às empresas apoiadas por dinheiros públicos, consideramos que o mínimo exigível é que estas empresas sejam obrigadas a divulgarem – anualmente e durante os três anos subsequentes à atribuição do referido apoio - a evolução dos seus quadros de pessoal, em número e em tipo de contrato.

Não basta às empresas dizerem que vão fazer contratações. É preciso que cumpram e que tenham obrigações sociais sérias.

A segunda constatação é que este Orçamento é privatizador.

Neste Orçamento, o Governo abre mão da definição estratégica da SATA Airlines, abdicando do controle de uma empresa essencial para o desenvolvimento dos Açores.

Recordemos que, há dois anos atrás, o Governo Regional apresentou, nesta Casa, um tal de "Business Plan", classificado, na altura, pelo Partido Socialista e pelo Governo, como um trabalho sério e fundamentado, tendo em vista salvar a empresa da situação difícil que, então, vivia. Todas as certezas da altura, todas as promessas da altura se esfumaram, em apenas dois anos. Agora, a única saída é a privatização.

Vender 49% do capital a uma empresa de porte superior significa, na prática e necessariamente, abdicar da Sata Airlines. Quase apetece dizer que, quando o Governo apresenta planos, o desastre está garantido. Não esqueçamos o Plano Integrado de Transportes (PIT) a este propósito!

Pela nossa parte, não aceitamos que a Região fique sem uma palavra a dizer, sobre qualquer tipo de mobilidade das suas populações.

Mas a sede de privatização não fica por aqui. Segue-se o Porto da Praia da Vitória, com uma privatização travestida de concessão.

Neste caso, o que está em causa é o negócio do gás natural para navios, o qual e ao que tudo indica vai para a Partex. Ou seja, este, que parece ser um bom negócio, tem de ir para os privados. Sempre o mesmo, para os mesmos!

Como é evidente, apresentaremos proposta para evitar este desastre.

A terceira constatação é que a arbitrariedade continua.

Chegados ao fim do segundo Orçamento, apresentado por este Governo, o Partido Socialista não cumpre mais uma das promessas de campanha. Refiro-me aos concursos de admissão de trabalhadores/as para a administração pública regional.

Durante o período eleitoral das últimas regionais (há pouco mais de um ano atrás, portanto) o Senhor Presidente prometeu introduzir alterações nos processos concursais para a administração pública regional.

Ora, entre muitas outras queixas que têm chegado até nós (as quais incluem, inclusive, processos concursais, em autarquias dirigidas pelo Partido Socialista), uma há que se repete até à exaustão: a prova de ‘entrevista’ é aquela que mais permite alterar as classificações, subvertendo, em absoluto, a verdade dos resultados finais.

Um mero exemplo: dois candidatos, o A e o B; o candidato A teve melhor nota, nas duas provas que se exigem objectivas; o candidato B teve notas inferiores, nestas provas, mas alcançou a nota máxima, na ‘entrevista’.

Quem ficou com o lugar, quem foi? Obviamente, o candidato B. E qual é a grande diferença entre estes dois candidatos? O candidato B era candidato nas Listas do Partido Socialista. Mais palavras para quê?!

Por isso, apresentaremos proposta para minimizar esta malabarice. Está o Partido Socialista disponível para cumprir, finalmente, a sua promessa?

Portanto – Senhoras e Senhores Deputados, Senhoras e Senhores Membros do Governo -, este Orçamento é mau.

O Bloco de Esquerda apresentará propostas para o tornar mais amigo de quem trabalha, mais defensor da Região e mais fiador da transparência na governação.

Está o Partido Socialista disposto a dar este passo?

Finalmente – e convém dizê-lo, desde já -, a elaboração de um Orçamento significa fazer escolhas. Por maioria de razão e no caso deste que, ora, temos em mãos, escolhas claras, corajosas, ambiciosas, no sentido da justiça social, da equidade, da igualdade de oportunidades e do combate a todo o tipo de desigualdades.

A justeza e a eficácia das medidas propostas, num Orçamento, não se avaliam, nem ao quilo, nem à percentagem – repito, nem à percentagem! Estaremos, pelo menos, de acordo, neste aspeto?

O sentido de voto do Bloco de Esquerda aos documentos, em análise, depende, afinal, da disposição do Partido Socialista para emendar o que está mal… pesado, calculado e omisso.

Intervenção inicial no debate do Plano e Orçamento 2018 na Assembleia Legislativa dos Açores

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Deputada à Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores, entre 2008 e 2018.
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