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Abertura do novo ano letivo, assim? Não!

Orientações do ME mais não são do que expressão de desresponsabilização do mesmo. A coberto da autonomia das escolas, o que faz é “sacudir a água do capote” transferindo para as escolas o ónus da organização do novo ano letivo.

Num contexto de grande incerteza acerca do desenvolvimento da pandemia e perante os naturais receios e apreensões que a abertura do novo ano escolar suscita na comunidade educativa, exigia-se ao Ministério da Educação (ME) a definição de orientações claras, objetivas e sensatas, para fazer face a situações decorrentes de uma previsível segunda vaga da pandemia, que possa vir a impor de novo a necessidade de distanciamento físico total ou parcial.

A atual crise pôs a nu os enormes fossos socioeconómicos entre alunos/famílias que colocam em causa a igualdade de oportunidades e condicionam fortemente o acesso às aprendizagens e o sucesso escolar. Desde logo, a desigualdade de acesso a equipamentos informáticos e à rede da Internet, que colocou milhares de alunos numa situação de exclusão, não apenas digital, mas também social.

O governo anunciou um pacote de 400 milhões de euros para renovação e apetrechamento das escolas, a fim de dar resposta às exigências da transição digital. Entretanto, sobre a sua concretização nada sabemos. Vai garantir a aquisição de computadores/tablets para todos os alunos cujas famílias não os podem adquirir? Está prevista alguma medida de apoio à aquisição de computadores pelos docentes? Vai apostar-se na criação de conteúdos educativos?

Compilando todas as Orientações emanadas do ME/DGEstE/DGS, passando pelas recentes entrevistas e intervenções públicas do ministro da Educação, vemos, ouvimos e lemos, … sentimo-nos ignorados.

Creio não exagerar se afirmar que as Direções das Escolas/Agrupamentos, a comunidade escolar/educativa (corpo docente e não docente, discentes/ famílias), vivem dias de grande apreensão, encarando a abertura do novo ano escolar com grande ansiedade e preocupação. A situação não é para menos, e as Orientações que chegam do ME não nos sossegam.

Das Orientações do ME/DGS chega uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma. Orientações confusas, contraditórias, medidas pouco exequíveis, ou impossíveis de aplicar.

Na Educação pré-escolar pede-se às/aos educadoras/es que maximizem o distanciamento físico entre as crianças, sem comprometer o normal funcionamento das atividades pedagógicas e o direito das crianças a brincar. Sendo que o brincar e o jogo, assumem papel de grande centralidade na socialização e aprendizagens das crianças; não é um mero brincar por brincar. O jogo, o brincar, as interações entre os pares, são absolutamente fundamentais para o crescimento e desenvolvimento global e harmonioso das crianças em idade pré-escolar, e não só, claro! Como evitar o contato das crianças umas com as outras, quer nas salas, quer, nos espaços exteriores?

O ME privilegia, e bem, o ensino presencial, sempre que possível. Mas quais as medidas de proteção sanitária que anuncia?

Qual é o suporte científico para que o uso de máscara (de acordo com as Orientações da DGEstE, cap. I Medidas gerais, alínea e), só seja obrigatório a partir do 2.º Ciclo? Não é um dado irrefutável que as crianças são igualmente contagiáveis, e que mesmo assintomáticas, são potenciais focos de contágio, comunitário? Sentir-se-ão seguros os pais/famílias das crianças para as enviar para a escola, sabendo que em turmas do 1.ºCEB com 24 a 26 alunos, o distanciamento físico é praticamente impossível e o uso de máscara não é obrigatório? Argumentam alguns que o uso de máscara é traumatizante para as crianças, e situações de contágio não terão consequências mais graves?

No ensino básico e no secundário, como assegurar o distanciamento físico necessário mantendo-se turmas de 25 a 30 alunos, confinando-os a uma sala de aula de 48 a 50 m2 ? Como irão os jovens entender medidas da DGS que os obrigam a manter distâncias de 2 metros em espetáculos, ginásios, cafés, restaurantes, e evitar aglomerações de mais de 10 pessoas em espaços públicos quando, na sala de aula, estarão praticamente ombro a ombro, observando “se possível” o distanciamento de 1 metro?

Aconselha o ME/DGEstE a reduzir ou eliminar intervalos das aulas, diminuindo, o mais possível, os contatos entre os alunos. Longe de ser uma solução constituirá um acrescido problema. Como gerir uma manhã/tarde de aulas sequenciais sem intervalos ou com um único e curto intervalo?

Será sério apresentar como medida de recuperação das aprendizagens, o prolongamento do ano letivo e o encurtamento das interrupções letivas da Páscoa e do Natal que constituem momentos de retemperamento de forças? Alguém se convence que mais tempo nas escolas se traduz em mais e melhores aprendizagens? Ou o que se pretende é garantir aos pais/famílias que a escola assegure mais tempo de guarda das crianças a fim de que a vida profissional e a economia, possam funcionar em melhores condições, subestimando o papel central da escola como centro de educação/formação?

Poderíamos continuar a apontar as múltiplas insuficiências, contradições e ausências de resposta, que são muitas e clamorosas. De facto as Orientações do ME mais não são do que expressão de desresponsabilização do mesmo. A coberto da autonomia das escolas, o que faz é “sacudir a água do capote” transferindo para as escolas o ónus da organização do novo ano letivo. Se algo vier a correr menos bem, para não dizer mal, a culpa será de quem? Das escolas, pois claro!

Começar assim o novo ano letivo? Não! Tiago Brandão.

Sobre o/a autor(a)

Professor. Dirigente do Bloco de Esquerda.
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