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Nove vítimas da guerra do Afeganistão

A morte destes nove jovens é o incidente mais recente da mais longa guerra da história dos EUA. Uma guerra que, segundo um corajoso oficial do Exército norte-americano, se perpetua com base em “uma lógica de mentiras explícitas e substanciais”.

Oito adolescentes que guiavam as suas ovelhas nos campos nevados do Afeganistão foram assassinados no início do mês durante um ataque aéreo da NATO no distrito de Najrab, província de Kapisa, no leste do país. A maioria dos garotos tinha entre 6 e 14 anos. No momento do ataque, eles buscavam refúgio junto de uma grande pedra sob a qual fizeram uma fogueira para se proteger do frio. Em princípio, os oficiais da NATO afirmaram que se tratava de homens armados. O governo afegão condenou a ação militar e publicou fotos de algumas das vítimas. Logo a organização expressou num comunicado à imprensa “as suas sentidas condolências aos familiares e parentes de vários adolescentes afegãos que morreram no ataque aéreo de 08 de fevereiro na província de Kapisa”.

Os garotos assassinados tinham quase a mesma idade do soldado Osbrany Montes de Oca, 20 anos, cidadão de Nova Jersey, que morreu em combate dois dias depois na província de Helmand. A morte desses nove jovens é o incidente mais recente da mais longa guerra da história dos Estados Unidos. Uma guerra que, segundo um corajoso oficial do Exército norte-americano responsável por denunciar a dita instituição, se perpetua com base em “uma lógica de mentiras explícitas e substanciais” por parte de “vários líderes militares norte-americanos de alta patente no Afeganistão”.

Estas são as palavras escritas pelo tenente-coronel Danny Davis no seu relatório de 84 páginas denominado “Abandono de funções II: A perda da integridade dos líderes militares de alta patente prejudica o esforço de guerra no Afeganistão”. A revista Rolling Stone conseguiu um rascunho do relatório no dia 27 de janeiro, mas o gabinete de Assuntos Públicos do Exército dos Estados Unidos não aprovou a sua publicação, apesar de Davis negar que o conteúdo seja secreto. O tenente-coronel apresentou uma versão confidencial aos membros do Congresso. Militar desde os 17 anos, Davis é um veterano com quatro combates nas costas. Esteve ao serviço do seu país durante um ano no Afeganistão com a Força de Equipamento Rápido do Exército quando percorreu mais de 14 mil quilómetros no meio dos setores mais ativos da ocupação norte-americana, o que lhe permitiu conhecer diretamente as urgências dos soldados.

Num artigo que escreveu para a Revista das Forças Armadas intitulado “A verdade, as mentiras e o Afeganistão”, Davis falou sobre sua experiência: “O que vi não tem nada a ver com as floridas declarações oficiais dos líderes das forças norte-americanas sobre as condições no campo de batalha”. Dizer o que pensa é uma conduta fortemente desaconselhada nas forças armadas dos Estados Unidos, em particular se a opinião vai de encontro a um superior. O seu relatório foi publicado pelo jornal “The New York Times” e pela revista “Rolling Stone”, cujo jornalista Michael Hastings me disse: “A realidade é que estamos diante de um veterano de guerra que esteve 17 anos no Exército, que foi convocado quatro vezes (duas no Afeganistão e duas no Iraque) e decidiu arriscar a sua carreira (falta-lhe anos e meios para se aposentar) porque sente que tem a obrigação moral de fazê-lo”.

O tenente-coronel Davis entrevistou mais de 250 pessoas (militares norte-americanos e cidadãos afegãos) no seu último ano na zona de guerra. Comparou os seus testemunhos com as projeções otimistas de oficiais como David Petraeus, ex-diretor do Comando Central e das forças norte-americanas no Afeganistão, atualmente, diretor do serviço secreto dos Estados Unidos (CIA). Petraeus disse ao Congresso no dia 15 de março de 2011 que “a influência dos talibãs no Afeganistão vem diminuindo desde 2005 em grande parte do país e perdeu espaço em várias localidades importantes”.

No seu artigo para a revista militar, Davis destaca: “Na mudança, fui testemunha da falta de êxito em praticamente todos os níveis. Os insurgentes controlavam praticamente todas as zonas do Afeganistão fora do nosso campo visual ou da Força Internacional de Assistência à Segurança”.

As suas observações coincidem com a morte do soldado Montes de Oca. A sua namorada, Maria Samaniego, disse ao jornal “New York Daily News” que o companheiro “estava a sair da base quando atiraram de repente”. São quase dois mil oficiais das forças armadas norte-americanas mortos no Afeganistão, quase a mesma quantidade de civis assassinados em cada ano nesse país. Nic Lee, diretor da ONG independente Gabinete de Segurança do Afeganistão, escreveu no seu relatório anual de 2011: “Foi um ano importante por tratar-se do momento em que as forças armadas norte-americanas e da NATO finalmente reconheceram que é impossível ganhar a guerra contra os talibãs”.

O secretário de Defesa Leon Panetta declarou recentemente: “Esperamos que no segundo semestre de 2013 possamos fazer a transição e passar da função de combate à de treino, assessoramento e assistência”. Petraeus contradisse essa afirmação ao dizer que os Estados Unidos continuam comprometidos em pôr fim à missão de combate apenas no final de 2014. Enquanto isso, as mortes continuam e os meios de comunicação divulgam imagens de soldados da Marinha norte-americanos urinando sobre cadáveres afegãos ou pousando junto à bandeira nazi das SS. O tenente-coronel Davis escreve: “Quando tiver de decidir sobre a continuação ou não da guerra, mudar os objetivos ou terminar uma campanha impossível de ganhar sem um preço considerável, os nossos oficiais de alta patente têm a obrigação de dizer a verdade ao Congresso e ao povo norte-americano”.

Artigo publicado em "Democracy Now" em 16 de fevereiro de 2011. Denis Moynihan colaborou na produção jornalística desta coluna. Texto em inglês traduzido por Mercedes Camps para espanhol. Texto em espanhol traduzido para português por Rafael Cavalcanti Barreto e revisto por Bruno Lima Rocha para Estratégia & Análise. Revisto para português de Portugal por Carlos Santos

Sobre o/a autor(a)

Co-fundadora da rádio Democracy Now, jornalista norte-americana e escritora.
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