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2017 tem de ser o ano da reconstrução da política de transportes públicos

Os transportes vivem o caos produzido pelos erros políticos e de gestão que o governo da direita cometeu ao longo de quatro anos.

O PSD tomou a iniciativa de suscitar na sessão plenária de hoje um debate de atualidade sobre as cativações nos serviços públicos. No lançamento deste debate, o PSD decidiu destacar o "caos" que se vive nos transportes públicos no país, em particular na cidade de Lisboa. Por um momento, há que reconhecer a pertinência do debate e, mesmo, a nossa concordância com a classificação da situação nos transportes públicos.

Mas, mais do que constatações que entram pelos olhos e ouvidos adentro de quem vive e trabalha na cidade, importa perceber que caos será esse e que razões o suscitaram.

Caóticas serão certamente as interrupções cada vez mais frequentes no metro de Lisboa, que têm ocorrido em todas as linhas, especialmente notórias nas horas de ponta? Sim, isso é caos. Mas soube-se, entretanto, que há vinte carruagens que não estão ao serviço por não haver peças. A imagem do caos é o absurdo de haver comboios mas não haver rodas para os comboios circularem.

De quem é a responsabilidade? Será da gestão da empresa, em primeiro lugar. Mas é preciso perguntar: por que é que isso acontece agora? A razão é simples: porque as encomendas deveriam ter sido feitas há pelo menos um ano atrás, e planeadas há mais tempo ainda, e nessa altura o anterior governo andava mais entretido a preparar a privatização da exploração do metro de Lisboa do que em gerir a operação do mesmo. É isto caos? Sim, é. É o caos produzido pelos erros políticos e de gestão que o governo da direita cometeu ao longo de quatro anos.

Mais: além da falta de material, acrescem ainda as sucessivas avarias dos comboios. Será isso o caos? Certamente que sim. Por que acontecem tantas avarias? Uma vez mais, porque o governo anterior, enquanto andava a preparar a privatização da exploração, deliberadamente promoveu uma redução da oferta para facilitar a própria privatização. Felizmente, a nova maioria política reverteu todo o processo de privatizações nos transportes públicos de Lisboa e do Porto. Falhou o objetivo, mas ficaram os estragos – o caos - do processo conduzido pela direita.

Caos serão também as interrupções diárias nas escadas rolantes do metro de Lisboa, que ocorrem nas diversas entradas e saídas das várias linhas, especialmente gravosas quando se conjugam com avarias nos elevadores e impedem o acesso a cidadãos com mobilidade reduzida. Sim, isso é caos. Mas, se toda a gente sabe que essas situações são hoje recorrentes, certamente ninguém se esquece que estas se tornaram o pão-nosso-de-cada-dia quando o anterior governo decidiu não renovar os contratos de manutenção para poupar uns euros e a reparação passou a ser feita à peça e à vista, em vez de se agir preventivamente em matéria de manutenção do material.

Caos será certamente a súbita interrupção no fornecimento de cartões para venda de bilhetes nas máquinas de venda automática de Lisboa e do Porto, visível nas enormes e vergonhosas filas de espera. Sim, isso é caos. Mas de quem é a responsabilidade? É das máquinas que não funcionam? Não. É antes o resultado de decisões erradas de gestão, porque os contratos de fornecimento de material não foram devidamente acautelados e o fornecimento atempado de cartões não foi devidamente garantido. A responsabilidade passa pela gestão, certamente, mas também pela tutela, incapaz de adotar as melhores decisões para evitar que todo um sistema de transportes ficasse dependente de um único fornecedor, o que veio a comprometer drasticamente a operação de transporte.

Caos é a falta de 150 maquinistas no Metropolitano de Lisboa, de 180 motoristas na Carris e de 130 motoristas nos STCP, que o anterior governo e as suas administrações deixaram que acontecesse porque até dava jeito para cortar serviços, cortar carreiras e baixar custos, tudo em nome das futuras privatizações e de um modelo de transportes virado para justificar as rendas milionárias que todos nós teríamos de pagar.

Caos será a existência, na Área Metropolitana de Lisboa, de mais de 750 títulos de transporte e que a direita, enquanto esteve no poder, nada fez para simplificar, integrar e obrigar todos os operadores de transporte a operar nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto a integrar um sistema de bilhética comum. E por que é que isso nunca aconteceu? Porque a falta de transparência e o perfil caótico desta floresta de títulos de transporte favorece as manigâncias e a fraude. Recentes notícias de recebimentos de receitas indevidas que o grupo Barraqueiro terá recebido a título de indemnização compensatória mostram que é urgente quebrar esta trajetória de irresponsabilidade e caos.

Há que reparar muitas decisões erradas, desde logo acabar com uma invenção chamada Transportes de Lisboa, que representou, especialmente no caso da Carris, o desmantelamento de grande parte da sua macroestrutura, a descapitalização da Carris e do Metro de Lisboa em matérias cruciais como a autonomia de serviços e de recursos humanos que passaram a ser considerados “excedentários”, ou seja, descartáveis.

Mas agora será necessário inverter a lógica com que tem sido executada a política de transportes. É preciso promover uma mobilidade sustentável em todo o país, oferendo mais e melhores transportes públicos para servir as necessidades de deslocação nos vários territórios urbanos e rurais, no cumprimento estrito do direito constitucional à mobilidade de todos e todas, e, em particular, dos cidadãos com mobilidade reduzida. É preciso sobretudo voltar a tornar as nossas cidades mais respiráveis e mais desafogadas, reduzindo os fluxos de automóveis e substituindo essa mobilidade individual por uma mobilidade sustentável, coletiva, mais eficiente e mais produtiva.

É preciso, por fim, mais planeamento de transportes, mais e melhor integração de todos os sistemas de transportes nas regiões metropolitanas e nas grandes áreas urbanas, assente nas comunidades regionais metropolitanas e comunidades intermunicipais urbanas.

2017 tem de ser o ano da reconstrução da política de transportes públicos. Para isso, é certamente preciso investimento, em novos veículos, mais eficientes e mais ajustáveis aos diferentes perfis da procura e cuja concretização pode e deve ser garantida, tanto quanto possível, pela indústria nacional. É esse o desafio que temos pela frente.

Declaração Política na Assembleia da República, em 26 de outubro de 2016

Sobre o/a autor(a)

Economista de transportes
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