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2015 - As eleições que nos melhoraram

A tradição de maiorias absolutas ou de maiorias relativas abastadas que alimentaram governos PSD ou PS está em franca decadência.

Há dois órgãos de soberania eleitos em Portugal: a Presidência da República e a Assembleia da República (órgão legislativo). A perceção de que os governos (órgão executivo) são eleitos é uma ilusão ótica criada pela imaturidade democrática da nossa cultura, que interrompeu o jogo democrático durante cinco décadas, calcinando o treino cívico de duas gerações de portugueses. Os eleitores elegem o seu Parlamento e é neste cenário de 230 deputados e de sete partidos atuais que, por trilhos ideológicos ou táticos, se estabelece a maioria que pode assegurar um governo. É assim em todas as democracias maduras. Aliás, mesmo em 2011, um PSD incapaz de formar governo maioritário por si próprio teve que socorrer-se do CDS-PP para alcançar esse desígnio.

A tradição de maiorias absolutas ou de maiorias relativas abastadas que alimentaram governos PSD ou PS está em franca decadência. Da análise sociológica e histórica concluímos que o século XXI foi e será cruel para ambos os partidos. Em 2002 a sua força combinada representava 78% do eleitorado votante, em 2005 era 69%, em 2009 ficou-se pelos 66% e, finalmente, hoje representam cerca de 63%. Um perda de 15% numa quinzena de anos. Se acrescentarmos a este declínio de votantes a crescente abstenção, concluímos que a sustentação democrática de governos PS ou PSD está bastante esboroada. Estas eleições comprovam-no, porque, na verdade, os dois grandes partidos empataram na derrota e creio que, se nada fizerem para se reformarem, lentamente cairão na irrelevância. O problema não é ideológico, é a má prática do exercício da governação que começa a cansar os cidadãos, cercados por má gestão (incompetência), corrupção (grandes negócios e portas giratórias) e nepotismo (boys).

O ano de 2015 marcará um ponto de viragem neste panorama de (ab)uso do poder pelos dois partidos do rotativismo, já desvitalizados e sem soluções. Eles próprios terão que reconhecer, nesta fase da maioridade democrática portuguesa, que acordos parlamentares serão necessários e obrigatórios, entre si primeiramente, para salvar o “arco de interesses comuns”, e, depois, com outros partidos, que lhes injetem fulgor cívico. Um parlamento representativo significa isso mesmo, que a sociedade tem diversas sensibilidades e que elas devem ter assento nas discussões sobre a gestão do bem comum. Podemos não concordar inteiramente com as ideologias e programas dos partidos, mas, se eles passaram o crivo constitucional que lhes permite ter existência legal, então, também há que lhes dar a legitimidade para formarem governo. Não há partidos decorativos, todos eles representam alguém. Achar o contrário é que é pouco democrático.

Por exemplo, é interessante verificar como o Bloco de Esquerda começa a dar-se a ares de partido representativo daquela social-democracia que PSD e PS mantêm nos programas, mas… É que a social-democracia e a defesa de uma sociedade mais justa e igualitária ainda é um sonho que comanda o boletim de voto, mesmo que os “empreendedores” alapados aos “partidos do arco dos interesses” tremam com as manias democráticas dos direitos, coisas aberrantes que fazem oscilar mercados bolsistas e vacilar lucros das grandes empresas. Ninguém vê os mercados preocupados com as ditaduras, pois essas são firmes e asseguram negócios, porém as democracias e os seus critérios de soberania popular criam imprevisibilidades aborrecidas. Habituaram-se a uma pausa na social-democracia europeia, porém, um hiato que não significa a morte da ideologia, como o provam eleições por esta Europa fora. Por cá, um dia destes, os portugueses acordarão um pouco mais representados no Parlamento e no Governo, e isso é bom!

Sobre o/a autor(a)

Professor de História. Membro da Assembleia Municipal de Lagoa eleito pelo Bloco de Esquerda
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