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20 de novembro – Convenção dos Direitos da Criança

Houve um sinal positivo no dia 20 de novembro, espera-se que seja um sinal de mudança, pois toda a atuação do governo Passos/Portas foi no sentido de agravar os problemas da criança.

Por feliz coincidência a aprovação da adoção por casais do mesmo sexo foi aprovada no preciso dia em que se comemorava o 56º aniversário da aprovação da Convenção dos Direitos da Criança que Portugal ratificou em 1990. É uma feliz coincidência porque a possibilidade de adoção por casais do mesmo sexo é um passo em frente nesses mesmos direitos.

Também foi um sinal de que a nova maioria do parlamento estava disposta a resolver alguns dos problemas que se vinham a arrastar, ou mesmo a agravar nestes últimos anos. Houve um sinal positivo no dia 20 de novembro, espera-se que seja um sinal de mudança, pois toda a atuação do governo Passos/Portas foi no sentido de agravar os problemas da criança.

O lado mais gravoso e mais óbvio da política deste governo e que não foi um “subproduto” ou um “dano colateral”, mas sim um objetivo assumido, foi o agravar da pobreza e das desigualdades sociais. A política de “empobrecimento” que tem como pontos mais visíveis a desvalorização salarial e o aumento do desemprego, não se dirigiam especificamente a crianças, mas fizeram destas as suas vítimas principais. Em 2014 havia 27,5% da população portuguesa na situação de pobreza, o que corresponde a um crescimento de quase 10% desde 2009. A situação ainda é pior se se tomar em conta que o limiar da pobreza é calculado com base num rendimento médio que também baixou. A pobreza hoje abrange não só os que se encontram desempregados, como também muitos dos que têm trabalho, mas salários muito baixos. A pobreza afeta 25,6% das crianças e 38,4% das famílias monoparentais com adultos. A pioria das prestações sociais também tem contribuído para o agravamento da pobreza, mas mesmo assim calcula-se que seriam 48% a população portuguesa em situação de pobreza se não houvesse prestações sociais.

Esta ideia é patente num relatório da OCDE publicado em maio que considerava as crianças e jovens entre os mais afetados pela pobreza. Este relatório ainda constatava que Portugal tinha (tem) níveis de pobreza superiores aos da média da OCDE, o mesmo acontecendo com o índice de desigualdade. Tudo se agravou na vigência dos governos de Passos Coelho.

Disfarçada de aumento do rigor e da exigência, mas com medidas em que sobretudo se visou a poupança, a política educativa também teve anos negros. Foi a OCDE a dizer recentemente que Portugal foi dos países em que as despesas do estado com educação mais desceram. Essa descida fez-se sobretudo por via do aumento do número de alunos por turma, fecho de escolas e fusão de agrupamentos, ganhando alguns uma dimensão impossível de gerir. São dois mil milhões de euros e 1% da percentagem do PIB gastos a menos na educação. Isto não foi feito à custa da Parque Escolar que está bem, continua a funcionar, mesmo sem obras em curso. Esta poupança foi feita à custa dos custos com pessoal, sobretudo docentes.

A conceção produtivista da escola/fábrica e a sua mais recente versão neo-eduquês de Nuno Crato, centrada em exames a todos os níveis são também causa de retrocessos. O desprezo por alguns setores como a educação especial ou o ensino artístico esteve nas capas de jornais, foi o que se dava a “setores não produtivos”.

O resultado desta política foi desastroso: insucesso e abandono escolar aumentaram. O direito das crianças à educação foi gravemente afetado havendo mais crianças fora da escola em todos os níveis, menos o secundário. A qualidade também baixou, as novas metas curriculares vieram retirar todo o resto de coerência a currículos que já estavam desatualizados, leis sucessivas sobre avaliação e currículos tornaram o sistema menos estável, a orientação de todos os graus de ensino para os resultados nos exames pioraram a qualidade de aprendizagens, o mesmo acontecendo (como é óbvio) com o aumento do número de alunos por turma. Algumas aberrações como o facto de os créditos horários concedidos às escolas beneficiarem as que já apresentam melhores resultados. Os dados dos últimos anos também mostram quanto é difícil e lento conseguir melhorias na educação e como é fácil deitar fora, em pouco tempo, anos de trabalho.

O desinvestimento na saúde, e no apoio social também têm afetado os direitos da criança (e os de todos). Nas comissões de proteção de crianças e jovens, o número de casos sinalizados aumentou, claro: é um sintoma e uma consequência da crise. Mas, consequência da forma como este governo encara todas as vertentes de apoio social, o número de técnicos que prestavam apoio nas CPCJ, que tinha sido reforçado nos governos PS, sofreu pesados cortes. As CPCJ, alvo fácil das críticas em todos os problemas que envolvam crianças, passaram a ter ainda maiores dificuldades na sua atividade.

Os entendimentos à esquerda já produziram um bom efeito inicial. A adoção por casais do mesmo sexo foi um passo positivo, haverá seguramente acordo na mudança de políticas sociais e educativas. Depois de quatro anos de “caridadezinha”, “aumento da exigência” e, falta de respeito pelas pessoas (crianças, adultos, idosos) é preciso que o respeito pelas pessoas e pelos seus direitos, em especial pelas crianças e os seus direitos seja a prioridade para os próximos anos.

Sobre o/a autor(a)

Investigador de CIES/IUL
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