“Será que me pode dar uma mãozinha?”

porAna Feijão

08 de agosto 2011 - 0:05
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“Dou-lhe a mão e dou-lhe com o PES”, afirma o Sr. M. Soares.

O Sr. M. Soares era um cavalheiro que acordava antes das outras pessoas e não gostava de espinhas no prato, nem de pessoas que recebiam prestações não contributivas. Ah, e também não gostava muito das que recebiam as outras prestações (mas como não havia pessoas dessas lá no condomínio, escapavam...).

O Sr. M. Soares (com os seus amigos) mandava. Não só lá casa dele, mas na casa dos outros também. Só se dava com pessoas que mandavam e com pessoas que pagavam às que mandavam para estas fazerem o que aquelas queriam. Por isso, era uma necessidade que tinha, para bem cumprir as suas funções, a de ter a certeza da estratificação social – distinguir ricos, de assim-assim, de pobres. Por isso, em tempos, fora cúmplice de outros senhores que mandariam nesse tempo e achara muito conveniente o trabalho feito para clarificar essa estratificação.

“Pois, com certeza! As pessoas não podem estar tanto tempo a receber o subsídio de desemprego, nem podem receber tanto. Têm que aproveitar esse tempo para poupar o subsídio, se acham que não vão conseguir trabalho depois. Não lhe parece?” – perguntara ele, um dia, a outro distinto indivíduo com quem se sentava tantas vezes à mesa.

Esses tempos passados, ainda que não longínquos, foram aqueles em que se encerraram escolas e se congelaram as reformas dos velhotes e das velhotas e tempos em que foi permitido trabalhar tanto que tanta gente ficou sem trabalho. Enfim, tempos dessas coisas... casas com rendas caras, substituição de bolsas de estudo por empréstimos... coisas dessas, está visto!

Mas voltando ao Sr. M. Soares... Estava ele muito concentrado nas suas funções de mandão, quando tropeçou numa pessoa pobre, caiu no chão e magoou o pulso no botão de prata. O Sr. M. Soares estava sempre tão concentrado no seu trabalho, que ainda não tinha visto a quantidade de gente pobre que por ali andava. (Foi uma sorte só ter tropeçado numa!)

“Será que me pode dar uma mãozinha?” – perguntou-lhe a pessoa-obstáculo – “Será que poderia providenciar uns empregos, assim normais, para a gente se conseguir levantar? O Sr. tem tantos conhecidos, desses que até arranjam empregos bons para os amigos. Mas não precisamos de receber o mesmo que eles...”

Muito prontamente, também para não perder tempo, porque tinha um encontro marcado com três senhores do estrangeiro, respondeu: “ Providenciar, não é a minha função. Essa coisa da Providência está a esgotar-se. Mas eu conheço aí umas instituições muito boazinhas e vou dizer-lhes para vos virem dar uma Assistência”.

Dias depois (muitos ou poucos, não se sabe), uma fila de instituições caridosas veio ao sítio da queda. “Atenção! Nós estamos aqui, não para garantir empregos ou hospitais públicos, mas para vos dar uns medicamentos que ainda não estão estragados. Despachem-se a ficar doentes para não terem que deitar tudo no lixo. Ah, e se forem muitos sem emprego lá em casa também damos mais um bocadinho de subsídio, pronto. Ah, e se não tiverem casa, nós podemos pedir aquelas casas que os bancos tiraram a outras pessoas que não tinham dinheiro para a casa e ficam vocês lá a viver e a pagar barato. Pode ser? Há mais umas coisinhas, podem...” [Bla. Bla. Bla.]

Vitória sem vitória, falta escrevermos o final da estória...

Ana Feijão
Sobre o/a autor(a)

Ana Feijão

Arquitecta paisagista
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