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“Examina filho, examina”

A par da ilha de Malta, somos o único país europeu que obriga alunos de 9 anos a fazerem um exame para finalizarem o ensino primário.

A mentira da exigência é a facilidade que Nuno Crato encontrou para atrasar meio século a evolução pedagógica na Escola Pública que se deu depois da Revolução de Abril. Os exames nacionais da 4º classe e todos os processos a que eles obrigam são o rosto da Direita mais conservadora, velha que faz imaginar todos os alunos de hoje o que era a educação salazarista.

Quarenta anos depois voltaram os exames da 4ª classe. 107 mil crianças sujeitas a mais de duas horas de prova. 55 mil fizeram-no fora do seu estabelecimento de ensino. 25% do total da avaliação. São estes os números: reveladores da maior insensibilidade social que se fez sentir nas salas das escolas primárias desde o salazarismo.

A cinco dias da realização do primeiro dia de exames, o Governo português obrigou todos os alunos a assinarem um termo de responsabilidade onde declaram que durante o exame não usarão telemóveis ou qualquer outro tipo de aparelho tecnológico. Concebido numa linguagem que nenhuma criança de nove anos compreende, esta medida (juntamente com o facto dos exames durarem duas horas e meia – mais do que alguns da faculdade) é a cara da Direita mais agressiva que governou o país em Democracia; é a punição em nome da obediência e a tática do medo em nome de uma educação padronizada. Em suma, é o sonho dos regimes conservadores da primeira metade do séc.XX, de uma educação padronizada, sem abrir horizontes onde uma foto com todos os alunos bem-comportados e a professora de régua na mão embelezam os jornais do nosso quotidiano.

Ao desespero de mostrar serviço, revela-se a faceta mais vingativa de Crato. Este exemplo que o Governo quer vender como exigência tem um outro nome: cultura do medo. E já lá vão os tempos em que era isso o pão do dia-a-dia de todos os portugueses.

Uma escola pública de qualidade só existe com democracia, com exigência pedagógica que não se examina em duas horas e um quarto; faz-se com mais apoio psicológico, com mais investimento, com turmas mais pequenas, com mais professores, com um programa que não se restringe ao português e à matemática.

O melhor sistema de ensino europeu (Finlândia) não só é completamente estadual e gratuito como não exige qualquer tipo de exame que possa reprovar os alunos. A par da ilha de Malta, somos o único país europeu que obriga alunos de 9 anos a fazerem um exame para finalizarem o ensino primário. A política austeritária significa menos Europa, menos escola pública, menos democracia e menos igualdade nas políticas sociais. Significa um regresso ao Passado, que nenhum sistema de ensino que se queira progressista quer ensaiar.

O governo chumbou todas as avaliações da Troika. Não acertou uma previsão em dois anos de governação. Precisa claramente de ser chumbado. De parar a sua política. Ela não resulta. Mas parece não haver nenhum professor nem nenhum ministério que o faça parar. O governo do Governo (a Troika) é o mais professor que favorece os mais fortes e pune os mais fracos. É contra este modelo de ensino que lutamos. Derrubar o Governo é chumbá-lo por todos os maus resultados que obteve até hoje.

Sobre o/a autor(a)

Museólogo. Investigador no Centro de Estudos Transdisciplinares “Cultura, Espaço e Memória”, Universidade do Porto
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