A última escaramuça palestiniana: um novo jogo?

porImmanuel Wallerstein

13 de janeiro 2013 - 0:08
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Obama e Clinton conseguiram mostrar ao mundo que os Estados Unidos não só deixaram de ser indispensáveis, mas também que sequer são relevantes.

O mundo inteiro observou o último e violento conflito entre Israel e os palestinianos. Toda a gente reteve a respiração quando o presidente Morsi do Egito mediou uma trégua, que, até o momento, está a durar. E todos, exceto os israelitas, aplaudiram Morsi por ter conseguido chegar à trégua, o que parecia difícil.

Mas qual o seu significado? Para responder, temos de nos perguntar o que cada um dos quatro principais intervenientes desejava ganhar. Os quatro eram o primeiro-ministro Bibi Netanyahu de Israel, o presidente Obama, o presidente Morsi, e a liderança do Hamas. Cada um deles queria coisas diferentes.

Comecemos por Netanyahu. Ele está diante de uma eleição que quer ganhar por larga margem. De momento, não pode bombardear o Irão, mas queria que as atenções voltassem a este país e se afastassem da Palestina. Jogou assim a habitual carta nacionalista para consumo interno – abaixo o terrorista Hamas. E é melhor que os Estados Unidos nos apoiem 100%, ou podemos bombardear o Irão imediatamente.

Meteu-se num problema inesperado. O Hamas revelou-se um pouco mais forte militarmente que no passado. Na verdade, demonstrou capacidade de enviar foguetes com bombas para Telaviv e Jerusalém. Sim, Israel defendeu-se destes foguetes, com sucesso, pelos novos Iron Domefornecidos pelos Estados Unidos. Mas foi um aviso militar para o futuro. Além disso, foi Israel, e não o Hamas a ser responsabilizado em todo o mundo (mas com mais importância na Europa ocidental) por ter começado este último confronto. Foi má imprensa, e promete ficar pior. Assim, Netanyahu recuou e aceitou a trégua. Que continha coisas (pelo menos no papel) que Israel nunca antes estivera disposto a dizer.

E quanto a Obama? Esta escaramuça era a última coisa que ele precisava. O presidente dos EUA estava no meio de uma batalha política fundamental nos Estados Unidos, e tem comichões quando ouve falar em mais compromissos militares no exterior. Mas obviamente tinha de apoiar Israel no Conselho de Segurança. Assim, que tentou ele fazer? Muito simples – procurou manter-se relevante. Enviou a secretária de Estado Clinton a Israel para apertar publicamente a mão de Netanyahu. Depois foi a Ramallah para dizer ao presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmud Abbas, que os Estados Unidos continuavam a favorecer uma solução de Dois Estados. O problema foi que Abbas e a Autoridade Palestiniana não eram atores nesta escaramuça. E, evidentemente, Hillary Clinton não podia ir a Gaza mediar uma trégua porque os EUA oficialmente consideram o Hamas uma organização terrorista. Assim, Obama e Clinton conseguiram mostrar ao mundo que os Estados Unidos não só deixaram de ser indispensáveis, mas também que sequer são relevantes.

Quanto ao Egito, Morsi queria fazer duas coisas. Primeiro, mostrar que o Egito era uma nação indispensável, pelo menos no Médio Oriente. E, em segundo lugar, queria desviar o centro de atenção do mundo do Irão e da Síria para a Palestina. Foi totalmente bem sucedido no primeiro objetivo, e teve grande sucesso no segundo. Entre outras coisas, observem como a Arábia Saudita ficou quieta durante o episódio. Também esse reino começou a aparecer menos relevante.

Agora, o mundo ocidental pensa que Morsi deitou fora a sua vitória devido aos decretos internos que anunciou poucos dias depois da trégua. É verdade que enfrenta agora a oposição unida de metade do país. Mas quem é a metade do Egito que se manifesta contra ele? São uma aliança de jovens herdeiros das revoltas de 1968 contra a autoridade, dos liberais tradicionalmente orientados para o mercado, dos nacionalistas nasseristas, da esquerda política e dos grupos remanescentes do regime de Mubarak.

Notem que todos estes grupos de uma forma ou de outra estão comprometidos com valores que se encontram no mundo ocidental. Contra eles, Morsi fala em nome de um conjunto de valores árabo-islâmicos autóctones que a Irmandade Muçulmana sempre defendeu. Morsi está a reproduzir internamente o que fez internacionalmente. O Egito, não os Estados Unidos, foi o mediador do conflito. E, dentro do Egito, será a sharia(mesmo uma shariaversão leve) que prevalecerá. Trata-se de uma posição que tem um grande apelo.

Quanto ao Hamas, está a comemorar. Israel teve de se acertar com ele. Marginalizou Abbas. Os Estados Unidos terão também de começar a negociar com eles. Só podem estar otimistas em relação ao seu futuro.

Immanuel Wallerstein

Comentário n.º 342, 1 de dezembro de 2012

Tradução, revista pelo autor, de Luis Leiria para o esquerda.net

Immanuel Wallerstein
Sobre o/a autor(a)

Immanuel Wallerstein

Sociólogo e professor universitário norte-americano.
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