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É pouco: o estado de ameaça

Uma vitória de Hollande irá retirar o poder à UMP de Sarkozy mas não cria um quadro institucional impermeável às práticas e interesses estabelecidos.

Sarkozy foi derrotado. É a única conclusão que sai claramente das presidenciais francesas. Hollande conseguiu uma vitória na primeira volta, algo inédito para quem vem da oposição, mas a vantagem de um ponto não passa de um ponto (28% para 27%). O resultado das esquerdas soube a pouco (11%). Não chega para o que aí vem. E não estou a falar da segunda volta. O apoio da Front de Gauche e Ecologistas garantem a vitória de Hollande e não antevejo grandes surpresas que alterem este estado de coisas. Por isso o que sai de hoje é uma extrema direita de massas, expressiva, incontornável. E este é o legado Sarkozy. Porque esta direita profunda de Le Pen é tão mais perigosa pela sua opacidade, por ser estruturalmente fraca, não organizada mas culturalmente imanente. Uma neblina de ameaça que conta mais do que qualquer organização popular estruturada. Era por isto que era importante a esquerda socialista ganhar a LePen, não para definir o quadro político mas sim para não permitir que as regras que definem o que é política se tornem legitimamente anti-democráticas.

A política francesa corre por isso o risco de ser absolutamente dominada pelos antagonismos criados em torno de Le Pen e, o verdadeiro desafio da esquerda socialista é explorar todas as contradições de uma direita amorfa distribuída entre a UMP de Sarkozy e a Frente Nacional de Le Pen, fazer a oposição inteligente que não apenas denuncia os argumentos mas retira também o palco político à direita rumo a uma renovada hegemonia cultural de esquerda.

Tarefa difícil. Esta neblina é estrutural na sociedade francesa. É isto que o resultado de LePen revela. A Frente Nacional já não são os 17% que votavam contra Chirac, são os 20% que votam contra uma Europa que não os respeita. Uma vitória de Hollande irá retirar o poder à UMP de Sarkozy mas não cria um quadro institucional impermeável às práticas e interesses estabelecidos. Nem o Partido Socialista Francês o garante nem a conjuntura política Europeia o permitirá. Pois se há algo que a família de partidos socialistas já provou é a sua extraordinária coerência liberal quando estão no governo. E não é com o aprofundamento da austeridade nem da erosão de direitos laborais que se disputa a sociedade, que se disputa a cultura, que se faz política.

Por outro lado a própria figura e personalidade de François Hollande poucas garantias nos oferecem. Durante esta campanha Hollande recusou-se a combater de frente o discurso racista de Sarkozy e, não fosse Mélenchon, teria sido essa a narrativa oficial sobre Montauban. A 'força tranquila', uma ideia marketeira com que Hollande se tenta pintar, não passa de uma capa que esconde uma passividade sem fim e que, caso ganhe, lhe retira legitimidade. Mas é sobretudo uma postura que não serve para combater uma alteração que se confirmou agora estrutural na sociedade francesa.

Hollande tem cinco anos de poder pela frente e não terá margem para não ser de esquerda.

Sobre o/a autor(a)

Doutorando na FLUL, Investigador do Centro de Estudos de Teatro/Museu Nacional do Teatro e da Dança /ARTHE, bolseiro da FCT
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