Está aqui

«Abateram árvores e um povo levantou-se»: de Gezi, Istambul, para o resto do Mundo

Esta revolta é a gota de água representativa do fim da paciência do povo turco em relação à política austera do seu governo.

Ao contrário do que se tem vindo a dizer em alguns meios de comunicação social, a razão da revolta turca que se faz ouvir em todo o mundo e assusta muitas elites, não se restringe a um protesto de ambientalistas que queria impedir o abate de árvores no principal parque verde da capital turca. Ela é a gota de água representativa do fim da paciência do povo turco em relação à política austera do seu governo.

Em Salerno, cidade onde estudo desde Fevereiro, quase todos os meus amigos turcos conheciam algum familiar ou colega próximo que estava detido pela polícia turca ou tinha sofrido alguma agressão por parte do corpo de intervenção. 

Decidi fazer uma pergunta a um deles: 

– Ouvi ontem na Rai 1 que estes protestos foram causados por um grupo minoritário de extremistas turcos que há anos andam a tentar derrubar o presidente e o executivo. Ontem, o primeiro-ministro turco disse que não cede a qualquer tipo de protestos de uma minoria que decidiu perturbar a vida na Turquia na última semana.

Hoje estamos aqui numa ação de solidariedade em defesa dos povos turco e europeus contra os Austeritarismo e violência policial. Sentes que podes vir a sofrer represálias quando voltares ao teu país, se esta revolta não conseguir alcançar nenhuma vitória palpável?

– Esta revolta só por si já é uma vitória. Talvez sejamos ainda uma minoria. Mas a grande batalha ainda passa por exigirmos mais informação. O governo tem um mandato porque foi eleito por uma maioria, mas isso não significa que as pessoas estejam devidamente informadas de tudo o que se passa no país para poderem fazer uma escolha acertada. As faixas etárias mais jovens revoltam-se em maior número hoje porque têm mais facilidade em aceder à internet e conhecem um mundo para além daquele que nos é vendido todos os dias na comunicação social turca e que põe em causa tudo o que se tem passado no nosso país. No dia em que a televisão turca não esteja nas mãos dos amigos do presidente, talvez a Turquia possa ligar as suas TVs e receber em direto imagens do que se está a passar em Istambul. 

A meio desta semana, os ditos «extremistas e terroristas», aquando da ocupação do parque Gezi (o principal parque verde de Istambul onde o Governo quer construir um centro comercial), organizaram um concerto ao ar livre que contou com a participação de centenas de músicos (uns mais famosos do que outros) e reivindicavam mais democracia e liberdade de expressão. Contra a violência policial, espalharam música em forma de protesto e não arredaram pé do centro de Istambul. Porque sabem que se Istambul ceder, o resto do país desmobiliza-se. Eles têm nas mãos a força deste movimento e não o querem deixar cair nem por nada. Sentem essa responsabilidade cidadã para com todos os turcos que estão agora no hospital ou que já morreram devido à ação policial que o governa decretou.

Também na Turquia se implora mais Democracia – porque ela não é a habitual festa das eleições que se faz sentir de quatro em quatro ou cinco em cinco anos, ela é a forma como este povo se quere organizar e viver em sociedade. A revolta que se alastrou a centenas de cidades um pouco por todo o território turco (mesmo o mais oriental) é o medo que obrigou o governo a construir uma narrativa contra este levantamento nacional. Ainda não sabemos o desfecho destes acontecimentos, mas uma coisa podemos ter a certeza: nada ficará como dantes.

Sobre o/a autor(a)

Museólogo. Investigador no Centro de Estudos Transdisciplinares “Cultura, Espaço e Memória”, Universidade do Porto
(...)