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A revolução traída

As revoluções de hoje travam-se no duro campo de batalha em que se tornaram os direitos e a dignidade.

Trotsky, na sua obra “A revolução Traída” já enaltecia que para ocorrerem as revoluções, mais do que as inovações, importava que houvesse a preparação da população para os novéis ideais, para um mundo transformado.

Instrumentos ou ideias não aceites, por mais vanguardistas ou de arrebatadora mais-valia, veriam a sua implementação comprometida, destinados a serem conceitos sem aplicação ou utensílios rapidamente votados ao abandono.

Trotsky, embrenhado na complexa revolução do proletariado, estaria longe de idealizar a revolução dos dias de hoje; aprisionados à ideia de que qualquer coisa é melhor que nada, urge despertar consciências de que de qualquer coisa em qualquer coisa perigosamente nos aproximamos do nada.

As revoluções de hoje travam-se no duro campo de batalha em que se tornaram os direitos e a dignidade. Tornados moedas de troca pelos interesses económicos, os direitos tornaram-se os modernos instrumentos que a população esqueceu como utilizar.

A traição nestas épicas disputas não vem, no entanto, dos que lucram com a delapidação dos direitos. A luta torna-se desigual pela sedução fatal que todas as classes têm para detonar as suas revoluções a partir das suas bases.

Entre as vozes que clamam justiça, que se transcendem na intransigência em abdicar da sua dignidade, seja em que classe profissional ou grupo for, há as vozes que na surdina se tornam mercadores da sua dignidade, vendendo-a em pequenas concessões egoístas.

Os enfermeiros da Saúde 24, mantêm-se vociferando pelo reconhecimento de um contrato justo e legal, pela dignificação da sua profissão, pelo restabelecimento da esperança num país democrático onde quem honestamente trabalha não é criminosamente despedido.

Em confronto perante uma administração legitimada pela maioria PSD/CDS (fornecendo o mais visível administrador, Pedroso Lima, Eng.º de Minas, principal perpetuador das políticas pidescas) o esforço pela legalização da sua situação e reposição de justiça é minada por alguns enfermeiros; a troco de migalhas, inúteis num futuro próximo, e cedendo à patética tentação de agradar aos que os instrumentalizam, os enfermeiros diretores (e seus comparsas, a “gente pequenina” desprovida de carácter na defesa dos seus tostões) propuseram-se a ser os executores de um plano de ameaças diárias, de pressão incompreensível e de despedimentos maliciosos. Os que se entregaram à defesa dos direitos de todos, foram ostracizados, marginalizados, ridicularizados.

Prevaleceu a coragem dos audazes, dos que em mente tiveram sempre a dignidade da enfermagem. E mesmo quando outros os substituíram, preferindo uma carteira mais recheado mas um coração mais esvaziado de orgulho, quando outros consideraram justo um valor jocoso para quem se entrega à enfermagem, não vacilaram, lembrando-se que as revoluções requerem que para elas se esteja preparado.

Nos erros das revoluções se constroem os alicerces para as próximas. Talvez no próximo tumulto, os diretores, os supervisores, todos os enfermeiros, estejam já preparados para mudar; talvez no próximo momento de luta todos escolham fazer a diferença pela sua classe, ao invés de enriquecer quem já tanta riqueza tem; talvez na próxima batalha se coloquem do lado da verdade, da justiça e sobretudo do lado dos utentes que defendem e não dos patrões que enriquecem.

Aos lutadores, aos que mais do que lutarem, são a própria luta, cabe manter a mesma vida, responsáveis por trazer a tantos outros o exemplo vivo de que direitos e dignidade são realidades palpáveis, possíveis, instrumentos a usar, explorar, desenvolver e desfrutar.

O mesmo se pede aos portugueses, aos seus governantes, que traem o desejo de revolução de um país que suspira por esperança, enquanto limpa as lágrimas pelos emigrantes que se despedem, pelos direitos que desapareceram; Que traem as vozes desesperadas que vêm sucumbir a sua qualidade de vida e os seus sonhos perante a Troika, a que cá se encontra, e a que ficará sempre com os seus juros agiotas e os seus conceitos que tornam criminoso o trabalhador e herói o capital que enriquece com a miséria alheia.

Muitas são as revoluções traídas, mas que de nenhuma se percam os exemplos e que neles se ensinem os traidores, para que um dia todos façamos juntos a mesma revolução, que todos nos maravilhemos com a descoberta da utilização dos nossos direitos.

Sobre o/a autor(a)

Enfermeiro. Cabeça de lista do Bloco de Esquerda pelo círculo Europa nas eleições legislativas de 2019
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