O Executivo Camarário tem recusado de forma categórica o acesso público a um relatório elaborado em 2011 sobre “Obras Municipais – o Estado da Obra”.
António Costa é hoje o super-autarca do país. Ninguém sabe ainda se é futuro candidato a primeiro-ministro ou futuro candidato a Presidente da República, mas um futuro político radioso a médio prazo está-lhe diagnosticado há já algum tempo. E verdade seja dita: o perfil de Costa assenta na perfeição no tipo de figura política a quem estão reservados grandes voos. É um político muito hábil, com boa presença, com grande capacidade de gerar empatia pelo discurso aberto e estruturado que tipicamente apresenta, assim como pelas importantes pontes que consegue gerar à sua volta com diversos setores políticos. E, junto do eleitorado mais à esquerda, é um político que conseguiu posicionar-se bem em temáticas como o ambiente e a mobilidade, a recuperação urbana e as políticas culturais, as TIC e a modernização administrativa, entre outras dimensões. Um perfil quase irrepreensível em termos políticos.
Mas o verniz parece ter estalado de forma particular no último mês. E estalou porque deixou a céu aberto a política pouco transparente levada a cabo pela Câmara Municipal de Lisboa. De forma quase inexplicável,o Executivo Camarário tem recusado de forma categórica o acesso público a um relatório elaborado em 2011 sobre “Obras Municipais – o Estado da Obra”. Subscrito pelo então vereador Fernando Nunes da Silva e entregue à Comissão de Boas Práticas, o documento parece apontar problemas na contratação de obras públicas pela Câmara Municipal de Lisboa. Desde 2011, a Câmara tem utilizado todos os expedientes judiciais necessários para não conceder acesso ao relatório. Mesmo com o parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos para que o relatório fosse divulgado, o Executivo foi sempre recorrendo judicialmente de todas as sentenças que obrigassem à divulgação pública do documento, chegando mesmo ao extremo de recorrer ao Tribunal Constitucional. No final de Fevereiro, o Tribunal Constitucional finalmente pronunciou-se sobre a necessidade de ser divulgado publicamente o referido relatório, colocando assim um ponto final judicial ao processo. Aguarda-se de momento a efetivação da referida decisão.
Escusado será sublinhar os lamentáveis contornos de todo este caso, onde assistimos a uma entidade pública a procurar por todos os meios negar o acesso a informação do setor público. Chega mesmo ao cúmulo de levar ao Tribunal Constitucional esta sua obstinada falta de vontade de transparência. Um processo que, sem qualquer exagero, envergonha e mancha profundamente a democracia na cidade.
A abertura e a transparência são há muito uma parte obrigatória de qualquer discurso político, de qualquer manifesto eleitoral. Todos são apologistas da transparência, da abertura e da participação e controlo da atividade pública pelos cidadãos. Mas tudo parece complicar-se quando se trata da aplicar o referido discurso. Até na capital do país, até pelo super-autarca modelo que de tão boa imprensa beneficia.
Há alguns anos atrás, a transparência exigia grande esforço, grande vontade. Não era fácil de praticar. Nos dias que correm, com a banalização das tecnologias, da internet, das ferramentas de gestão de informação online, qual é afinal a verdadeira dificuldade operacional para que as entidades públicas se tornem verdadeiramente transparentes?