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Inteligência sempre! Praxismo nunca mais?

A praxe vai ser ultrapassada quando se conseguir demonstrar o seu ridículo e falta de sentido, os valores anti-democráticos que lhes estão associados e, sobretudo, a total dissonância entre o que ali se tenta ensinar e a sociedade que queremos.

Sem que numa fase inicial alguém pudesse imaginar, a tragédia do Meco acabou por gerar um importante debate sobre as praxes académicas. Subitamente, começou a mostrar-se sem grandes filtros a realidade do fenómeno da praxe, a sua progressiva implantação no ensino superior, as razões que o explicam, os seus contornos, os seus detalhes. Surgiram debates interessantes na TV, documentários, reportagens, notícias e artigos de opinião diversos nos jornais. As tragédias têm esta terrível tendência de catapultar a importância de algo que há muito se mostrava anacrónico, que há muito se mostrava preocupante.

Apesar de ser evidente que se trata do calor do momento, não me recordo de termos visto um coro tão alargado de críticas ao fenómeno da praxe. De repente, a quase intocável tradição académica começou a ser posta em causa, questionando-se os seus rituais, alguns valores duvidosos a ela associados e, sobretudo, a parolice que a circunda. Começou subitamente a questionar-se um bocadinho melhor por que raio alguém tem de ser humilhado, rebaixado, mal-tratado quando ingressa no Ensino Superior? Que raio de valores são estes de suposta preparação para a vida adulta que veteranos e dux tanto insistem em querer passar? E, fruto do súbito mediatismo, o assunto tem mesmo chegado às mais diversas instâncias. Tivemos discussão na Assembleia da República, temos ministros a pronunciar-se, temos reitores a ter de tomar posição, temos as Académicas em polvorosa. E o debate finalmente instalou-se.

É certo que a esta crítica em massa seguir-se-á rapidamente a tentativa de isolamento do que aconteceu no Meco. Aliás, tal já se começa a ver aos poucos, como seria de esperar. “Não podemos tomar o todo pela parte”, “importa sim evitar os abusos”, “não vamos lá com proibicionismos”, entre outros. Depois do choque, surgirá agora em força a relativização do que aconteceu. Surgirão agora os campeões do “espírito académico” , essa coisa que nunca ninguém percebeu muito bem do que se trata, a defender a inocência da “tradição académica”, essa coisa que nunca ninguém percebeu muito bem para que serve.

Neste contexto, o Bloco foi naturalmente oportuno a levar a discussão da praxe à Assembleia da República. Como é evidente, dificilmente se combatem este tipo de práticas com proibições pura e duras. Tal apenas levaria à vitimização imbecil dos arautos da tradição académica, que logo acusariam tal prática de proibicionismo e atropelo à liberdade. Pelo contrário, este debate tem de ser ganho com assertividade na discussão, ganhando a opinião pública e a comunidade académica para formas mais inteligentes de integração, práticas menos tristes e patetas de tradição académica. Esta coisa da praxe vai ser ultrapassada, mas sobretudo quando se conseguir demonstrar o ridículo e a falta de sentido das referidas práticas, os valores anti-democráticos que lhes estão associados e, sobretudo, a total dissonância entre o que ali se tenta ensinar e a sociedade que queremos.

Estamos muito longe de atingir um “Inteligência sempre! Praxismo nunca mais!”. Mas isto há-de ir lá. Cá estamos para fazer que assim aconteça.

Sobre o/a autor(a)

Politólogo, autor do blogue Ativismo de Sofá
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