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Desigualdade e emigração

Nascer num país rico é tão decisivo como pertencer à classe média-alta noutro país qualquer.

Vivemos num mundo muito desigual. O que talvez não saibamos é que uma parte significativa dessa desigualdade deriva das diferenças de rendimentos médios entre países. Na verdade, é possível hoje explicar o rendimento de uma pessoa através de apenas dois fatores: a sua cidadania e a classe de rendimentos dos seus pais. Estes dois aspetos explicam cerca de 80% dos rendimentos de qualquer cidadão. Os restantes 20% por cento ou menos referem-se a outros fatores, alguns que não controlamos (género, idade, raça, sorte), outros que podemos controlar (esforço individual). A cidadania é assim um elemento determinante do nosso destino.

O gráfico abaixo reflete a importância da localização na determinação do rendimento dos cidadãos nos EUA, Brasil, China e Índia e Portugal.

Posição que ocupa a população de cada país na estrutura mundial da distribuição do rendimento. De Branko Milanovic (2008) -.CIES/Observatório das Desigualdades.

Ao contrário do que sucedia até ao início do século passado, o nosso rendimento é hoje em dia muito influenciado pelo lugar em que nascemos ou em que residimos. Por exemplo, um cidadão dos EUA que pertença à classe média, pelo simples fato de residir naquele país, possui um nível de vida superior à maioria dos cidadãos do mundo, bem assim como às pessoas situadas na classe alta de países como a China, a Índia ou o Brasil.

Se designarmos as diferenças de rendimento dentro de cada país de diferenças de classe e as diferenças de rendimentos médios nacionais de diferenças de localização, concluímos que nascer num país rico é tão decisivo como pertencer à classe média-alta noutro país qualquer. Para a generalidade dos cidadãos do mundo a mobilidade social ascendente só será possível ou através de uma boa prestação económica do seu país, fato que empurrará inevitavelmente os rendimentos médios para cima; ou do esforço individual, dependendo para tal sempre dos mecanismos de mobilidade, ou então da emigração.

Em que medida a globalização reforçou a tendência de desigualdade entre países? Tomando em conta só os ensinamentos da escola neoclássica isso não poderia ocorrer. Na verdade, os salários baixos e as espectativas de altos retornos conduziriam sempre o capital para os países pobres e para os menos desenvolvidos. Estranhamente não foi isso que se verificou. A desigualdade de rendimento global (entre países) continuou a agravar-se. Então quais as razões deste aparente “paradoxo”. Por um lado os países ricos obtêm crescentes retornos à escala. A coisa explica-se desta forma: num país desenvolvido dois trabalhadores e dois computadores produzem mais do dobro de um trabalhador e de um computador noutro sítio qualquer. Por outro lado, gastam muito em investigação e desenvolvimento, produzindo assim tecnologia numa escala desproporcional, algo que funciona como propulsor de mais crescimento económico.

A tendência que se vislumbra no futuro próximo é a do capital circular dos países mais ricos para os países mais ricos e dos países pobres para os mais ricos, ao contrário do que seria de esperar. A emigração desenhará o mesmo circuito. A questão que se coloca é pois a seguinte: estaremos perante um fenómeno característico apenas desta fase de globalização ou estamos confrontados com uma longa era de desigualdade económica e de emigração sem precedentes entre as nações? Ninguém sabe responder a isso por enquanto. O que se pode dizer é que é o “paradoxo” com que nos confrontamos nestes dias e é certamente um dos maiores desafios deste século.

Alterado a 12 de fevereiro de 2014 às 16.30

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Jurista
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