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Não subestimem os bolsonaristas

A comparação dos acontecimentos deste domingo em Brasília com a invasão do Capitólio por manifestantes trumpistas, há dois anos, era inevitável. Há, no entanto, uma enorme diferença entre ambos episódios.

Nos Estados Unidos, a invasão do Congresso tinha como objetivo suspender o colégio eleitoral, o que poderia ser feito pelo vice-presidente. O objetivo final era reverter a vitória de Joe Biden e oferecer um segundo mandato a Donald Trump, uma ideia delirante mas, como se verificou depois, que o próprio Trump achava possível.

Já a invasão e depredação das sedes dos três poderes da República ocorrida este domingo em Brasília, não tinha condições de reverter coisa alguma. Lula já fora diplomado e empossado na Presidência, na maior festa popular de que há memória por ocasião da posse de um presidente. Os brasileiros e todos os amigos que acompanham a política brasileira respiraram de alívio. O Brasil da diversidade, da cultura, da democracia, encontrou-se consigo mesmo.

Do outro lado, os neofascistas seguidores de Bolsonaro, depois da fuga para os Estados Unidos do seu líder, pareciam desorientados e divididos. A sua bandeira maior, a de impedir Lula de “subir a rampa do Palácio do Planalto” já não tinha o menor sentido. Os acampamentos dos neonazis bolsonaristas junto aos quartéis das Forças Armadas esvaziaram-se.

Mais uma vez, porém, os bolsonaristas estavam a ser subestimados. O seu sumiço no dia da posse de Lula foi interpretado como sinal de desistência. Mas não. A manifestação deste domingo estava a ser convocada há algum tempo. Os ônibus que os transportaram já estavam alugados e o objetivo maior continuava a ser criar o caos para provocar uma intervenção das Forças Armadas. No seu delírio, o presidente que sairia desse golpe seria o general Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Bolsonaro.

Acontece que, como no caso do 6 de janeiro em Washington, a ação aparentemente delirante e desconexa em Brasília oculta algo muito mais planeado. A ação da Polícia Militar do governador do Distrito Federal foi conivente com os neofascistas. Os poucos gatos-pingados que faziam a segurança na Praça dos Três Poderes eram totalmente insuficientes para impedir a invasão aos edifícios da Presidência, do Congresso e do Supremo Tribunal. Além disso, o governo do Distrito Federal, no próprio domingo mudou de ideias e decidiu deixar entrar os manifestantes na esplanada dos Ministérios, abrindo o caminho às invasões.

Bolsonarista de primeira água, Ibaneis Rocha, o governador, viu a manifestação neofascista avançar  e ficou de braços cruzados durante três horas. Quando percebeu que seria responsabilizado pela facilidade que os manifestantes tiveram para depredar o património público, demitiu o seu secretário de segurança e mandou toda a Polícia Militar para as ruas. Ora quem é este secretário que naquele dia, e sendo conhecida a mobilização dos neofascistas,  estava… nos Estados Unidos? Anderson Torres foi o ministro da Justiça de Bolsonaro de 2021 a 2022. Vejam como os fios se vão cruzando. Anderson foi no próprio domingo alvo de um pedido de prisão por parte da Advocacia-Geral da União (AGU). Será por isso que este senhor se encontrava já nos EUA quando o pedido foi feito?

A reação de Lula diante dos acontecimentos em Brasília veio dar um norte a um governo e a um Congresso Nacional que pareciam hipnotizados e imobilizados diante das imagens ao vivo nas TVs.  Lula decretou a intervenção federal na área de segurança pública do Distrito Federal para manter a ordem pública.

Assim, o governo federal, através de um interventor nomeado, assume as competências do DF na área de segurança pública. Nas outras áreas, porém, mantém-se no cargo o governador Ibaneis Rocha.

Lula usou o necessário tom duro ao anunciar a intervenção, afirmando que “os terroristas envolvidos no ataque à democracia” devem ter “punição exemplar”. Deixou claro que houve “incompetência, má-fé ou maldade” das forças de segurança do Distrito Federal. “Não é a primeira vez”, assinalou.

Mas, pouco depois, o ministro da Justiça, Flávio Dino, procurou estender uma bóia ao governador do DF, dizendo que ele fora “iludido e enganado”. Eu fico na dúvida em relação a quem enganou quem. Ibaneis é conhecido como o “Enganeis”, por algum motivo será.

O tom duro de Lula, que na conferência de imprensa responsabilizou o ex-presidente Jair Bolsonaro pelos acontecimentos, é o único que pode responder à altura aos golpistas. Todos os responsáveis têm de ser levados à Justiça e punidos, sem exceções, sem amnistias. Isto inclui não só os golpistas, como também os crimes praticados no governo por Bolsonaro e família.

E tem de haver uma política clara em relação às Forças Armadas, que não pode ser a da total contemporização com o bolsonarismo dos chefes militares. Não se sabe o que está a fazer o ministro da Defesa José Múcio no governo Lula. Político de direita, atualmente no PTB, depois de passagem pelo PSDB e PFL, ele foi praticamente nomeado pelos militares. Foi Múcio que disse sobre as manifestações frente aos quartéis que são “da democracia”. E disse mais: “Aquelas manifestações no acampamento, e eu digo com muita autoridade porque tenho familiares e amigos lá, são uma manifestação da democracia",

Até o domingo, os militares continuavam a conviver com os  manifestantes, ora dizendo que a  responsabilidade das desmobilizações era da PM, ou adiando as ações de desmontagem do acampamento alegando a necessidade de evitar confrontos (!).

Lula tem agora a oportunidade, quando vive o seu “estado de graça”, de pôr em ordem as Forças Armadas. A derrota dos golpistas que acabou, felizmente, por ocorrer neste domingo, nunca será completa enquanto as Forças Armadas mantiverem uma atitude ambígua face aos neofascistas.

Nunca esqueçamos que Allende nomeou Augusto Pinochet comandante em chefe do Exército poucos dias antes de o próprio Pinochet liderar o golpe que o derrubou.

Também para esconjurar o fantasma golpista, é preciso voltar às ruas. Já há convocatórias para manifestações. Tomar as ruas contra o neofascismo é o que assegura a sua derrota douradoura.

 

Sobre o/a autor(a)

Jornalista do Esquerda.net
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