You are here

Morte assistida: promulgação é o passo certo

O Parlamento aprovou três vezes a lei que despenaliza a morte assistida. A ampla maioria que a aprovou reflete o largo apoio social a uma lei sintonizada com a exigência de ponderação e de tolerância que os tribunais constitucionais de Itália e da Áustria estabeleceram, nesta matéria, para os seus países.

O nosso Tribunal Constitucional já se pronunciou, a requerimento do Presidente da República. Desse acórdão de março de 2021 fica a estatuição de que o direito à vida não significa uma obrigação de viver em qualquer circunstância. O Tribunal Constitucional entendeu – também por larga maioria – que a despenalização de morte assistida não é, em si mesma, inconstitucional, exigindo-se, isso sim, que a lei exprima um equilíbrio entre o respeito pelo direito à vida e o respeito pela autodeterminação pessoal que não fira o essencial de qualquer daqueles dois valores acolhidos na Constituição.

Ao aprovar uma segunda versão da lei, em novembro de 2021, a Assembleia da República satisfez cabalmente esta exigência do Tribunal Constitucional. Tanto é assim que, no seu veto a essa segunda versão da lei, o Presidente da República não fez qualquer menção a problemas de constitucionalidade, o que só se pode interpretar como tendo dado como sanada essa questão.

Por isso, sendo formalmente legítimo, um novo pedido de fiscalização preventiva seria, no mínimo, surpreendente e lançaria dúvidas sobre os reais motivos da insistência numa litigação constitucional contra a reiterada expressão de vontade do Parlamento.

No plano político, não cabe ao Presidente da República, nem a qualquer outro órgão senão ao Parlamento, decidir qual o âmbito que esta lei deve ter. Invocar que esta terceira versão da lei, recentemente aprovada, amplia o seu espaço de aplicação – ao considerar que é causa de antecipação da morte uma doença grave e incurável associada a um sofrimento insuportável – é um argumento sem razão, usado por quem quer impor ao Parlamento que a lei se cinja a situações de morte iminente. Nunca foi esse o seu âmbito, como resulta claro pelo facto de, desde o primeiro momento, se prever como causa da morte assistida uma lesão definitiva de gravidade extrema que não tem de estar, por definição, associada a um quadro de morte iminente.

Não há qualquer nova razão para suscitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade. Se ela viesse a suceder, seria no quadro de uma oposição política. Se assim fosse, seria então preferível que essa oposição fosse assumida como tal.

A promulgação da lei é, por isso, o passo certo. Em respeito pelo debate que mobilizou o Parlamento e o país nos últimos anos, pela tolerância e rigor que pautaram este processo, pela decisão consciente de cada pessoa no final da sua vida.

Artigo publicado no jornal “Expresso” a 16 de dezembro de 2022

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
(...)