Ainda sobre a doença mental dos pobres

porFrancisco Louçã

07 de November 2022 - 17:28
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Nisto adoro o dr. Raposo. Não há mais ninguém na extrema-direita que se rebaixe ao ponto de apresentar este racismo social com vestes de pseudociência.

O dr. Raposo anda zangado e até informa que consultou amigos sobre como responder a essa ofensa inominável que consiste em ter sido citado. Como era de esperar, os tais amigos disseram-lhe para se repetir no que sabe melhor, que é imitar o “Observador” e lançar as mais portentosas diatribes pessoais de que se consegue lembrar contra quem se atreve a citar as suas ideias peregrinas. Dou-lhe razão e até lhe reconheço a sensatez de perceber que ser citado é inconveniente: a sua ideia de que uma misteriosa “neurobiologia” e a “doença mental” explicariam os pobres é tão grotesca que dispensa argumentação. Mas tenho de acrescentar que nisto adoro o dr. Raposo. Não há mais ninguém na extrema-direita que se rebaixe ao ponto de apresentar este racismo social com vestes de pseudociência e que torne tão óbvia a pacóvia apresentação da doença mental dos pobres, que estariam condenados por essa neurologia implacável, pelo que discutir com ele não exige mais do que apresentar a sua própria linha de defesa. Não me lembro de nenhum ideólogo que seja tão fácil de desmentir, ora veja-se o seu contra-ataque da semana passada: “Quando eu digo que a pobreza pode ser uma manifestação de doença ou doenças mentais que dificultam a decisão racional, eu não estou a ser snobe com os pobres, não estou a desrespeitá-los. Aliás, é o exato oposto: estou a seguir uma linha de investigação recente que liberta o pobre do julgamento fácil.”

Pois não é que o nosso dr. Raposo “está a seguir uma linha de investigação recente”, que, veja-se só, “liberta o pobre do julgamento fácil”, concluindo triunfantemente que “a pobreza pode ser uma manifestação de doença ou doenças mentais”? Não é preciso acrescentar nada. Sozinho, o dr. Raposo faz a festa, vai apanhar os foguetes e, se for preciso, ainda deita mais alguns.

Artigo publicado no jornal “Expresso” a 28 de outubro de 2022

Francisco Louçã
Sobre o/a autor(a)

Francisco Louçã

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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