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A lei da morte assistida é respeito pela autonomia e liberdade de cada um de nós

Pelo respeito e pela tolerância daqueles que mais sofrem, precisamos de resolver este assunto de vez. E para isso só há um caminho: despenalizar a morte assistida, o quanto antes.

Portugal tem uma maioria parlamentar favorável à despenalização da morte assistida. Essa maioria foi confirmada em duas eleições, 2019 e 2021. Todos os estudos de opinião afirmam que a maioria dos portugueses querem ter essa escolha. A Assembleia da República já aprovou a lei por três vezes. Mas continuamos a não poder escolher antecipar a morte, perante um sofrimento que não toleramos.

Do Presidente da República ao Tribunal Constitucional, passando pela Ordem dos Médicos, há indivíduos e instituições que tudo têm feito para coartar a autonomia dos doentes. Mesmo sabendo que estão em minoria. E isso não é aceitável em democracia. Sobretudo quando estão em causa pessoas concretas, em sofrimento. Muitas a quem a democracia tem prometido respeito desde 2019, já não estão entre nós. Falhámos a estas pessoas!

Quem não concorda com a eutanásia não é forçado a recorrer a ela. Os opositores da morte assistida têm toda a legitimidade para tentarem convencer a restante sociedade a não recorrerem à eutanásia. O que não podem é querer criminalizar quem vê o mundo e a vida de maneira diferente. E é isso que faz o atual quadro legal. A lei da morte assistida é respeito pela autonomia e liberdade de cada um de nós, mesmo quando estamos perto do fim. E é também respeito pelo pluralismo, que a nossa Constituição consagra.

Vão dizer-nos que há uma “rampa deslizante”. O mesmo argumento que utilizaram contra a despenalização da interrupção voluntária da gravidez e que a realidade desmentiu — há hoje menos 15% de abortos do que havia em 2008 ou 2009. O mesmo argumento que utilizaram contra a despenalização do consumo das drogas, que a realidade também desmentiu — em Portugal, por overdose, morrem três pessoas em cada milhão por ano, muito abaixo da média europeia, que se situa nos 17,3. O mesmo argumento que em tempos utilizaram contra a distribuição da pílula contracetiva (iria promover a promiscuidade entre as mulheres e o disseminar de doenças) e que (imagine-se só!) a realidade também desmentiu — a pílula é hoje utilizada, de forma segura e eficaz, por milhões de mulheres portuguesas, permitindo-lhes autonomia sobre a sua vida reprodutiva.

E a direção da Ordem dos Médicos vai dizer-nos (mais uma vez) que os médicos estão contra a eutanásia. Uma mentira e um abuso autoritário. Uma mentira porque a Ordem sabe que há um estudo da Faculdade de Medicina do Porto que mostrou que 60% dos médicos são favoráveis à despenalização da morte assistida. E já em 2019 a própria Ordem dos Médicos realizou outro estudo no Norte do país demonstrando o mesmo. Um abuso autoritário porque desrespeita a maioria dos seus associados e usa-os para influenciar politicamente órgãos de poder e instituições.

Pelo respeito e pela tolerância daqueles que mais sofrem, precisamos de resolver este assunto de vez. E para isso só há um caminho: despenalizar a morte assistida, o quanto antes.

Artigo publicado no jornal “Expresso”, Sim à eutanásia

Sobre o/a autor(a)

Médico neurologista, ativista pela legalização da cannabis e da morte assistida
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