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Eutanásia: Uma lei contra a prepotência

As iniciativas dos partidos proponentes da despenalização, já entregues ou anunciadas, mostram que a Assembleia da República manterá o registo de responsabilidade e de tolerância que imprimiu a todo o processo anterior. Por José Manuel Pureza, dirigente do Bloco de Esquerda.

A aprovação parlamentar, por confortável maioria, da lei que despenaliza a morte assistida foi um acrescento de tolerância e de densificação dos direitos pessoais. Contrariando as estratégias de substituição dos argumentos pela exacerbação do medo, o parlamento soube dar letra de lei ao grande impulso social para uma regulação sensata, prudente e rigorosa da morte assistida, capaz de colocar no centro o respeito pelas decisões conscientes de todos/as sobre o seu fim de vida e de afirmar sem tibiezas que os direitos que assistem a todas as pessoas durante a vida não cessam quando a vida chega ao fim.

Por iniciativa do Presidente da República, a sequência normal do processo legislativo foi interrompida por duas vezes. A primeira para que o Tribunal Constitucional se pronunciasse sobre a conformidade da lei com a Constituição. Importa vincar que, apesar de o Presidente não ter fundamentado o seu pedido numa suposta inconstitucionalidade de princípio entre qualquer lei de despenalização da morte assistida e o princípio constitucional da inviolabilidade da vida humana, o Tribunal entendeu fazer essa análise. E a sua conclusão inequívoca foi a de que não há uma tal inconstitucionalidade e que o direito à vida não implica uma obrigação de viver em condições limite. O que o Tribunal exigiu foi que os parâmetros legais definidores dessas condições limite fossem claros, sem margem de indeterminabilidade inaceitável, afirmando que um único conceito – o de “lesão definitiva de gravidade extrema” – carecia de definição mais precisa.

O parlamento procedeu à revisão do texto da lei para ir ao encontro dessa exigência. E, nesse quadro, incluiu na lei um artigo de definições rigorosas dos vários conceitos usados na lei, seguindo a técnica legislativa de Espanha nesta matéria. A redação assim revista foi submetida a nova votação parlamentar e a maioria de aprovação foi ainda mais ampla que a da primeira versão da lei.

Mas o Presidente da República voltou a travar o processo legislativo. Desta vez alegando a existência de variações terminológicas no texto legal relativamente à natureza da doença que legitima o pedido de antecipação da morte. Alegação estranha, dado que essas variações existiam já na versão que o Presidente enviou para o Tribunal Constitucional, sem que isso lhe tenha merecido, na altura, qualquer reparo…

As iniciativas dos partidos proponentes da despenalização, já entregues ou anunciadas, mostram que a Assembleia da República manterá o registo de responsabilidade e de tolerância que imprimiu a todo o processo anterior. Sendo formalmente uma nova lei – por força da reconfiguração do parlamento pós-eleições legislativas – é, de facto, a mesma lei, com simples afinamentos de redação, mas com o mesmo sentido de tolerância de prudência e de ampliação do campo dos direitos, que será sujeita à decisão da Assembleia.

É mais que tempo de dotar o país de uma lei que evite fins de vida não queridos porque envoltos num sofrimento indizível ou numa nuvem de apagamento da relação mínima com quem é querido e dá mais sentido à vida. Uma lei que, como afirmou o João Semedo, sobreponha a tolerância à prepotência e ao autoritarismo.  

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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Esquerda Saúde 2

Revista Esquerda Saúde nº2

31 de May

A edição de junho de 2022 já está disponível online e traz em destaque um dossier sobre investigação em saúde. Leia aqui a revista em formato pdf.

Editorial: Já está na altura de dignificar o trabalho médico?

31 de May

Horas extra, precariedade, perda de salário e uma pandemia. Numa profissão que defende a humanização dos cuidados de saúde, não é compreensível que quem presta cuidados o faça sob condições desumanas. Por Tânia Russo, médica no Hospital Amadora-Sintra, dirigente sindical e deputada municipal em Sintra

EUA: O triunfo do conservadorismo contra as decisões das mulheres

31 de May

O país encontra-se dividido entre os estados que permitem livremente o acesso ao aborto nas condições da lei (até às 24 semanas de gestação) aceitando mesmo mulheres de outros estados, e os que reduzem drasticamente as condições da lei, com sistemáticas represálias em relação aos profissionais de saúde que colaboram na prática de aborto.  Por Ana Campos, médica obstetra

 

“Das pessoas trans que recorreram ao SNS, mais de metade sofreu discriminação”

31 de May

Entrevista a Jo Rodrigues, presidente da Anémona, uma associação de profissionais de saúde e seus aliados criada para aproximar os serviços de saúde das pessoas transgénero e não-binárias e combater a transfobia.

 

Hayek, Pinochet e os social-liberais entram num bar…

31 de May

No Chile, a ‘reforma’ liberal é cara e ineficiente. Custa 7% do salário aos utentes, canaliza 50% dos recursos para 20% da população e os ganhos em saúde são alcançados pela resposta pública e não pela privada. Por Moisés Ferreira, dirigente do Bloco de Esquerda

O negócio vai bem (a Saúde nem por isso)

31 de May

A faturação e os lucros dos grupos privados da saúde não pára de aumentar. Estes lucros crescentes não impedem que estas empresas sejam conhecidas por más práticas laborais. Por Maria Ribeiro, enfermeira emigrada na Bélgica

 

Inovação em Saúde: Importância da investigação clínica e de translação

31 de May

A investigação clínica e de translação visa melhorar os cuidados de saúde e os prognósticos dos pacientes. É essencial para a melhoria do bem-estar das populações e deve estar ao alcance de todos. Por Maria João Carvalho, Investigadora do Instituto de Biomedicina, Departamento de Ciências Médicas da Universidade de Aveiro.

 

O papel do mercado no desenvolvimento de vacinas: Fonte de avanços ou força de bloqueios?

31 de May

Parto para esta reflexão com base em dois exemplos muito concretos: o das vacinas de mRNA contra a COVID-19, que todos conhecemos, e o de uma vacina contra a malária, o principal foco de vários anos da minha investigação científica. Por Miguel Prudêncio, investigador principal do Instituto de Medicina molecular

Quem deve financiar a ciência?

31 de May

Sem financiamento público, a investigação básica não fica assegurada. Sendo esta  investigação fundamental para o avanço do conhecimento, mesmo a investigação mais  aplicada fica em sérios riscos a longo-prazo sem um sério investimento a montante.  Por Ana Isabel Silva, investigadora em Ciências da Saúde no i3S.

Eutanásia: Uma lei contra a prepotência

31 de May

As iniciativas dos partidos proponentes da despenalização, já entregues ou anunciadas, mostram que a Assembleia da República manterá o registo de responsabilidade e de tolerância que imprimiu a todo o processo anterior. Por José Manuel Pureza, dirigente do Bloco de Esquerda.

Cuidados paliativos: Direitos humanos em fim de vida

31 de May

É prioritário investir na formação diferenciada em cuidados paliativos dos profissionais de saúde e criar novas unidades de apoio ao internamento paliativo na comunidade que permitam o controlo de sintomas e prevenção de complicações, aliviando o sofrimento, permitindo assim cuidados personalizados e de proximidade. Por Gisela Almeida, Enfermeira Especialista, Instituto Português de Oncologia, Coimbra

 

Acolher e cuidar dos refugiados

31 de May

Embora a lei determine que o refugiado tem direito a cuidados de saúde no SNS, quem está nos serviços de saúde conhece bem que nem sempre são dadas as respostas céleres e adequadas aos refugiados que a eles recorrem. Por Sónia Pinto, enfermeira de família.

Açores: Para os profissionais de saúde, uma salva de… precariedade!

31 de May

É verdade que o reforço de meios humanos foi necessário para o combate à pandemia, mas também o é para o normal funcionamento e recuperação de toda a atividade assistencial. Por Jéssica Pacheco, enfermeira, Açores.

Transformar o SNS, a agenda de um encontro à esquerda

31 de May

Realizou-se a 21 de Maio o Encontro Nacional Sobre Saúde do Bloco de Esquerda, em Lisboa. Foram vários os contributos para o debate e destacamos aqui algumas breves passagens de cada um.

Revisão da literatura – a legalização da canábis aumenta o consumo entre os jovens?

31 de May

Uruguai e Canadá legalizaram a canábis recretiva em 2013 e 2018, respetivamente. Dois estudos recentes sobre o consumo recreativo oferecem-nos uma visão sobre o que pode ser a realidade após a legalização. Por Bruno Maia, médico.