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Macron pode mesmo perder?

Será difícil e menos credível reconstituir a frente republicana que se ergueu em 2002 contra o pai Le Pen e em 2017 contra Marine Le Pen. Em consequência, qual será o voto pendular dos descontentes e abstencionistas só saberemos quando as urnas fecharem, e todos os desastres são possíveis.

Os resultados da primeira volta das eleições francesas contrariaram mais uma vez as sondagens, mesmo que não de forma tão assustadora como outras recentes. A abstenção foi a segunda maior desde 1958, o que pode ter beneficiado Macron e prejudicado Le Pen, mas dá a esta uma paradoxal vantagem na captação de votos para a segunda volta. Mélenchon, que desempenhou uma campanha brilhante com a sua proposta republicana e socialista, ficou a uma distância de Le Pen que demonstra que, a ter havido maior concentração de votos, poderia tê-la ultrapassado e desencadeado um terramoto na direita. Houve outras campanhas dignas à esquerda, mas a sua expressão provou que se enganaram nos objetivos. E ficamos agora com Macron contra Le Pen, com o desaparecimento do PS e forças de esquerda ou dos verdes, bem como da direita tradicional e até do enfant terrible da extrema-direita, Zemmour.

Pareceria o único cenário confortável para Macron, mas pode ser um pesadelo em que nada lhe está garantido. Escrevia o economista Thomas Piketty no “Le Monde”, nas vésperas da eleição, que ou Macron fazia um “gesto social” ou estava condenado. Incensado por governos europeus, como o nosso, que procuram o conforto das suas promessas, Macron é visto no seu país como incapaz, e aliás desinteressado, de cuidar da vida das pessoas e de lhes responder. Queria ser um Presidente “jupiteriano”, dizia de si próprio na campanha anterior, comparando-se ao deus dos deuses romanos no Olimpo do Eliseu. Agora, na aflição da segunda volta, promete um “método novo de governo”, o que diz tudo sobre a necessidade e nada sobre o resultado, não faz ideia do que quer propor. Assim, será difícil e menos credível reconstituir a frente republicana que se ergueu em 2002 contra o pai Le Pen e em 2017 contra Marine Le Pen. Em consequência, qual será o voto pendular dos descontentes e abstencionistas só saberemos quando as urnas fecharem, e todos os desastres são possíveis.

Artigo publicado no jornal “Expresso” de 14 de abril de 2022

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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