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O liberalismo não serve o Centro Histórico do Porto

A arrogância, insensibilidade e irresponsabilidade de Rui Moreira colocam em risco o centro histórico do Porto, ao permitir o fachadismo que tem vindo a ocorrer em edificado, mas também no impacto do Alojamento Local na descaracterização da população que habitava o Centro Histórico.

Na cidade do Porto tivemos recentemente acesso a um documento que sistematiza a monitorização da transformação do Centro Histórico na cidade do Porto. É um documento que confirma o que temos vindo a dizer: erra quem insiste em políticas liberais de entrega ou favorecimento da intervenção pelo mercado da reabilitação, do urbanismo e da intervenção em património classificado. Esta questão não é novidade e tem vindo a ser alvo de alertas da ICOMOS, entidade internacional que na sua delegação portuguesa é constituída por especialistas do património a nível nacional que Rui Moreira teima em destratar.

À cabeça mantém-se o problema que já vem do século passado: a perda - expulsão - de população feita durante décadas através de intervenções financiadas por fundos europeus de combate à pobreza que Rui Rio canalizou para a destruição destes territórios. Foi assim no bairro de São João de Deus e no Aleixo. Foi assim também no Centro Histórico e no destino que deu à Fundação do Centro Histórico. Esta tendência mantém-se com a expulsão a ser protagonizada pela especulação imobiliária promovida, essencialmente, pelo Alojamento Local e também Fundos de Investimento Imobiliário. É claro no relatório que “esta nova dinâmica (AL) teve algum impacto no mercado habitacional, além da reabilitação ter promovido a reabilitação de tipologias de pequenas dimensões, também diminuiu a oferta de fogos para habitação permanente fazendo subir o custo da mesma.”.

De que fala o relatório então? Excesso de alojamento local e de reabilitação que estando licenciada como habitacional no final se transforma neste serviço turístico; habitação pública por reabilitar - e também privada -; excessiva canalização do edificado para tipologias T0 e T1 que não respondem a necessidades de habitação permanente. O relatório vai mais longe e reconhece ainda que se tem de inverter a tendência dos últimos 10 anos e proteger o direito à habitação para garantir o regresso de habitantes ao centro histórico e identifica ainda problemas de mobilidade e carga: pedonalizar e apostar em mobilidade suave, permeabilizar o solo, além de enfatizar a deterioração dos arruamentos por excesso de obras, falta de manutenção e clara inaptidão do centro histórico para receber tanta circulação.

Deste documento retira-se assim a aprendizagem necessária para a proteção do Centro Histórico em linha com as características que lhe atribuíram a qualidade de Património Mundial da UNESCO. No entanto, Rui Moreira e Pedro Baganha, optaram por apresentar um plano de gestão para os próximos 10 anos com considerandos profundamente ideológicos, enviesando o que o relatório nos informa factualmente e também a resposta necessária para alterar os problemas identificados no primeiro documento. O executivo da Câmara do Porto parece estar em estado de negação e claramente diz que se tiver de responder aos alertas da ICOMOS prefere não ter o Centro Histórico como património classificado. Com esta posição negacionista, a Câmara Municipal do Porto nem sequer reconheceu a necessidade de retomar o processo de regulação do Alojamento Local e de suspensão de licenças no Centro Histórico. A arrogância, insensibilidade e irresponsabilidade de Rui Moreira colocam em risco o centro histórico do Porto, ao permitir o fachadismo que tem vindo a ocorrer em edificado como ocorreu nas Cardosas, na Casa Forte ou no Edifício Garantia mas também no impacto do Alojamento Local na descaracterização da população que habitava o Centro Histórico.

O processo de regulamento do alojamento local tem tido um percurso atribulado no Porto. Rui Moreira começou por não reconhecer a sua necessidade. Depois dessa negação dos factos, Rui Moreira acabou por iniciar o processo de definição do regulamento em junho de 2019 e a Assembleia Municipal do Porto deliberou em julho desse mesmo ano a existência de áreas de contenção de Alojamento Local principalmente no Centro Histórico, onde este já ocupasse 50% da tipologia habitacional. No entanto, uma das primeiras medidas tomadas no âmbito da pandemia COVID-19 pela Câmara foi a de cancelar este processo em maio de 2020. Resultado: 3 anos depois mais de 74% do Alojamento Local no Porto situa-se nas freguesias do Centro Histórico (5.727) sendo a segunda freguesia a nível nacional com mais registos, apenas ultrapassado pela União de Freguesias de Albufeira e Olhos de Água. Também os dados provisório do Censos 2021 mostram que esta União de Freguesias perdeu novamente população na última década na ordem dos 7,4% e 12,3% dos alojamentos, mostrando que se mantém o fenómeno de esvaziamento populacional no decurso do mandato de Rui Moreira. E dados recentes do Instituto Nacional de Estatística dão conta da franca recuperação dos valores de arrendamento, tendo igualado os valores que se praticavam no 2º semestre de 2019 e no caso dos valores de venda existe já um acréscimo global de 27% (dos 2.017€ para os 2.563€ por m2).

Temos alertado para a necessidade de regulação do Alojamento Local em cidades com grande pressão turística e habitacional como é o caso do Porto - com grande incidência no Centro Histórico e no Bonfim. Um estudo recente “O mercado imobiliário em Portugal” coordenado por Paulo Rodrigues confirma o que temos vindo a dizer: a contenção de emissão de licenças baixa os preços e estanca a especulação galopante. Permite ainda que se opte por soluções de habitação permanente. Por outro lado, uma decisão recente do Superior Tribunal de Justiça uniformiza a jurisprudência nos termos que sempre reivindicamos: numa fração destinada a habitação no seu título constitutivo e - como tal, na sua função - não deve ser permitida a realização de Alojamento Local por este ser um serviço comercial que não corresponde à tipologia urbanística - e de vivência - inicialmente definida.

Está, por tudo isto, mais que na hora de retomar a discussão da legislação do Alojamento Local e reconhecer que a habitação não é um serviço nem está de férias todo o ano, mas também, e no caso do Porto, retomar a regulação do Alojamento Local e apostar em rácios mais fortes de suspensão dos registos. A liberalização do Alojamento Local não serve os desafios que temos no país e nas cidades, Barcelona, Berlim e São Francisco já aprenderam isto. Portugal é mau aluno.

Sobre o/a autor(a)

Designer gráfica e ativista contra a precariedade. Dirigente nacional do Bloco de Esquerda
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