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Não ponham a inflação nas mãos de um liberal

Se pensa que seria mais razoável agir de forma conclusiva para limitar os preços da energia e domar esta inflação, desengane-se. Porque é que os governantes haviam de fazer o que está certo e beneficia a população se podem optar pelo que favorece uma clientela?

Aumentem os juros e o BCE que pare as compras de dívida pública é o clamor que se ouve. Os liberais assanham-se e o pretexto é a inflação, que atingiu um recorde de 7,5% em março na zona euro. Percebe-se o sentido político: a inflação é um monstro suspeito, atemoriza as economias que já não se lembram dele e é uma oportunidade para desarticular as pressões salariais criadas por alguma escassez setorial de mão de obra. Ora, aumentar as taxas de juro de referência é, neste caso, uma decisão estúpida que em nada responde ao problema. Exceto em movimentos de capitais que a zona euro pouco determina, o tempo do seu efeito é dilatado, dado que atua pela redução do investimento e, em consequência, pela criação de desemprego e austeridade salarial, ou seja, mais incerteza. Assim, a medida só tem uma justificação: reforçar a disciplina social protegendo os lucros, mesmo que em prejuízo da economia no seu todo. Se se entregar a decisão sobre as medidas anti-inflacionárias a um liberal, pode ter a certeza de que a resposta será sempre esta, seja na Europa ou na Cochinchina, seja no século XX ou no XXI: aumentar os juros para reduzir a procura agregada e o poder de compra da população, mesmo que provocando uma recessão.

Para mais, no caso da região europeia os preços não são empurrados pelos salários, como é fácil de verificar (têm um aumento anual homólogo limitado a 1,6%), mas pela alta do custo da energia. Apesar dessa evidência, em Portugal, com uma maioria absoluta radical, vai haver de novo uma compressão salarial na Administração Pública em 2022, o que serve de referência para o sector privado. A solução liberal é nisto um dogma religioso, inquestionável por natureza.

Se pensa que seria mais razoável agir de forma conclusiva para limitar os preços da energia e domar esta inflação, desengane-se. Porque é que os governantes haviam de fazer o que está certo e beneficia a população se podem optar pelo que favorece uma clientela?

Artigo publicado no jornal “Expresso” a 8 de abril de 2022

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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