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Orçamento de guerra ou orçamento pelo país?

A guerra na Ucrânia reavivou e apressou tudo – a NATO, que se vinha a reforçar desde longa data, e o projeto de criação do exército europeu, como forma de externalização militar da Alemanha que se pretende afirmar como superpotência europeia.

A agressão bárbara à Ucrânia por parte da Rússia imperialista de Putin assenta que nem uma luva às pretensões do reforço militarista da NATO, ratificado na última cimeira de Bruxelas. O mesmo se passou na reunião de Versalhes da semana passada que juntou os 27 chefes de Estado e de governo da UE, incluindo Portugal. As exigências são bem claras e encontram-se vertidas na terceira versão da Bússola Estratégica para a Segurança e Defesa da UE, que aponta para mais gastos no setor da defesa (capacidades militares e inovações tecnológicas de defesa).

As justificações encontram-se nas “mudanças geopolíticas”, nomeadamente, agora a estratégia de Putin para alargar as suas áreas de influência e a China, um rival sistémico, que desafiam a capacidade da Europa em desafiar os seus interesses. O mesmo se pode aplicar aos EUA e à NATO. Rússia e China são os alvos a abater e todos os pretextos servem para atingir os fins.

A nível europeu, o reforço desmesurado de verbas para fins militares aponta para a criação, até 2025, de uma força militar de intervenção rápida e o aumento das missões civis e militares que implicam mudanças nas estruturas de controlo e comando. O que está na forja é a criação do futuro exército europeu! Os dirigentes políticos e militares europeus dizem agora que é uma inevitabilidade, porque “a Rússia atingiu mortalmente o sistema de defesa europeu”. Só que já andam, desde 2017 e de forma mais visível, pelo menos, com a criação da Cooperação Estruturada Permanente – CEP/PESCO, a congeminar a formação do futuro exército europeu e agora a guerra da Ucrânia só está a apressar essa formação. O que têm feito é mentir aos povos europeus, onde se incluem António Costa e os seus governos.

Nos finais de 2018 o projeto de recomposição da soberania militar europeia foi objeto de alguma clarificação. A 14 de novembro, a chanceler alemã Angela Merkel declarava, ao Parlamento Europeu, que um “real e verdadeiro” exército europeu complementaria a Organização do Tratado do Atlântico Norte/NATO. Uns dias antes, o Presidente francês, Emmanuel Macron, apelava à formação de forças armadas europeias para reduzir a dependência estratégica europeia do parceiro transatlântico, o que suscitou o descontentamento de Donald Trump. Estas declarações foram precedidas de uma carta, publicada no Handelsblatt Global, no dia 25 de outubro, apelando à formação de um exército europeu como base de uma nova identidade antinacionalista. Esta carta-apelo foi subscrita por seis figuras públicas alemãs, incluindo Jurgen Habermas, Brigitte Zypries e Friedrich Merz. Com Trump parecia que a NATO estava a perder terreno, em “morte cerebral”, segundo Macron.

A guerra na Ucrânia reavivou e apressou tudo – a NATO, que se vinha a reforçar desde longa data, e o projeto de criação do exército europeu, como forma de externalização militar da Alemanha que se pretende afirmar como superpotência europeia. Há que rejeitar a via militarista em curso, pois a história já demonstrou que a cimentação da política internacional à volta de impérios de cariz militar são sempre a pior opção. Não podemos aceitar a militarização da Europa – que só conduzirá a guerra e mais guerra, quiçá, de consequências devastadoras – a pretexto da ameaça russa. Amanhã, o pretexto poderá ser a ameaça da China, do Irão, da Coreia do Norte ou até da Índia. A via militar-belicista e a política da guerra só servem os interesses económicos, estratégicos e geopolíticos das grandes potências, gerando lucros fabulosos às empresas de armamentos.

O governo de António Costa vai ter de optar e o próximo Orçamento de Estado vai tirar a prova dos nove: ou teremos um Orçamento de Guerra, ou um Orçamento pelo País! Um orçamento de guerra, com o aumento exponencial de verbas para o setor da Defesa, ao serviço dos senhores da guerra e entidades militaristas dos EUA, da NATO e da União Europeia e que o povo português não compreenderia e que não deseja. Ou um orçamento pelo país, a favor dos cidadãos, dos trabalhadores, das camadas mais desfavorecidas, com um reforço de verbas significativo para o investimento público, para a melhoria e defesa dos serviços públicos, com destaque para o SNS e a Escola Pública.

Infelizmente, o Programa do governo PS não augura nada de bom, pois tudo parece continuar na mesma, como se o país não estivesse mergulhado numa nova crise e com uma agravante – as despesas com o setor da Defesa vão aumentar de forma brutal! Mas vamos esperar pelo próximo Orçamento de Estado.

2 de abril de 2022

Sobre o/a autor(a)

Professor. Mestre em História Contemporânea.
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