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O jackpot dos combustíveis

Vejo muita gente indignada com o nível dos impostos sobre a energia (eu incluo-me nessa crítica), mas muitos não se atrevem a falar do aumento dos lucros das companhias energéticas. Em 2021, os acionistas da GALP, a família Amorim, a Sonangol e fundos de investimento americanos, vão levar para casa 565 milhões de euros.

A utilização de combustíveis fósseis está a causar danos irreversíveis ao planeta. A transição energética imporá limitações ao seu consumo, inclusive por via do aumento dos preços.

As tensões geopolíticas e a guerra têm repercussões dramáticas no preço do gás e do petróleo, que se estendem à eletricidade. Mas nenhum destes factos implica condenar a população que depende destes bens ao empobrecimento generalizado. Tudo depende de escolhas políticas e há decisões, aliás urgentes, que podem fazer toda a diferença. O Governo não controla o custo internacional do petróleo, ou do gás, mas tem muito a dizer sobre a formação dos preços da energia em Portugal. Desde logo, na forma como os tributa. Os combustíveis são uma fonte de poluição, o que justifica a sua elevada tributação. Mas os impostos não podem ser um castigo a pobres e remediados e o nosso atraso nas alternativas de mobilidade públicas e coletivas é demasiado grande para resolver o problema do mês que vem. Não há como hesitar.

É preciso acabar com o adicional do ISP e com a dupla tributação dos combustíveis (uma vez que o IVA incide sobre o preço da gasolina/gasóleo e também sobre o valor do ISP). A redução do IVA da eletricidade, uma longa batalha da esquerda, esteve quase a ser vencida contra a vontade do PS no Orçamento para 2020, mas o PSD recuou. A descida deve ser imediata e para a taxa mínima, de 6%. Mas, mais importante do que a fatura fiscal, é a decisão do Governo sobre quem suporta o embate dos aumentos: se as grandes energéticas, cujos lucros têm disparado, ou o mexilhão consumidor. Vejo muita gente indignada com o nível dos impostos sobre a energia (eu incluo-me nessa crítica), mas muitos não se atrevem a falar do aumento dos lucros das companhias energéticas. Em 2021, os acionistas da GALP, a família Amorim, a Sonangol e fundos de investimento americanos, vão levar para casa 565 milhões de euros. Saiu-lhes o "jackpot dos combustíveis".

É justo que, graças a eventos extraordinários (pandemia, guerra), as maiores empresas multipliquem os seus lucros à custa do empobrecimento generalizado? Se o Estado não consegue impedir o aumento das margens (de refinação ou de venda) que se repercutem em preços exorbitantes, então que taxe de forma extraordinária os lucros extraordinários. E dirija esses recursos para apoiar os consumidores, sobretudo os mais pobres. Mas o Governo pode controlar as margens, se quiser enfrentar os mais poderosos interesses económicos. No caso dos combustíveis, esse mecanismo até existe, só nunca foi posto em prática. Na eletricidade, é mais do mesmo, com o Governo a insistir em manter a regra que faz com que toda a eletricidade seja paga pelo preço da mais cara, a que é produzida com gás, mesmo aquela que vem das barragens a custos de produção muito baixos.

A democracia perdeu a propriedade dos quase monopólios do petróleo e da eletricidade para interesses variados, do Estado chinês ao Estado angolano. Pagamos o preço dessas escolhas todos os dias e, no mundo em que vivemos, esse preço anuncia-se cada vez mais alto. Mas é para proteger os lucros de grandes empresas que o Governo abandona a população à crise energética

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” de 2022

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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