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Editorial: Romper com o atavismo na saúde
A saúde não é despesa, é investimento para o bem comum da sociedade. Pessoas saudáveis são mais felizes, produzem mais e vivem uma vida longa com qualidade. A política de austeridade deixou marcas no sector que perduram até hoje. O desinvestimento na saúde, especificamente no SNS e nos seus profissionais, transformou de forma negativa e permanente a saúde em Portugal. O governo 2015-2019, vulgarmente conhecido como gerigonça, inverteu a tendência, mas não foi suficiente. O problema de desestruturar sistemas e organizações complexas como o SNS é que o esforço e recursos necessários para as recuperar é sempre muito superior ao que seria utilizado caso não tivessem sido erodidas. A perspetiva presente de uma nova onda inflacionária, impulsionada pela guerra na Ucrânia, traz consigo a ameaça de uma nova vaga de austeridade imposta a partir do diretório europeu que, para o SNS, poderia ser fatal.
A ideia de um SNS regido por uma lógica de mercado, em que se elogia uma gestão privada ou uma gestão pública regida por princípios de gestão privada, tem feito escola nas últimas décadas. Precarizar os profissionais de saúde, diminuindo o seu salário e negando-lhes uma carreira, e glorificar cortes de despesa, impedindo investimentos necessários tem sido o centro desta ideia. A recente campanha eleitoral para as legislativas veio introduzir na discussão pública maior agressividade contra o SNS, ora disfarçada de propostas populistas como a “ADSE para todos”, ora camuflada com medidas ditas temporárias como o aumento das convenções com o privado. Todas com o objetivo de retratar o SNS como insuficiente e incapaz e o setor privado como o “salvador” da Saúde em Portugal. Nesta edição da revista pretendemos mostrar como as propostas de um seguro de saúde público não têm vantagens, nem económicas nem de saúde, sobre o sistema português, usamos o exemplo da Holanda e explicamos porque razão avaliações puramente economicistas, como aquelas que faz o Tribunal de Contas, não servem porque não mostram toda a realidade sobre a saúde do país.
O progressivo alinhamento das políticas públicas em saúde com as teses neoliberais, provocaram um desnatamento dos serviços públicos, tornando-os vulneráveis na resposta não só à pandemia, como às restantes necessidades em saúde da população. Pensar a saúde para o século XXI implica romper com as conceções atávicas e demonstradamente ineficazes da gestão do serviço público de saúde como uma empresa, construindo um novo compromisso para a gestão pública, assente em democracia, participação e autonomia.
A revista “Esquerda Saúde” é um espaço amplo de reflexão sobre a saúde, o Serviço Nacional de Saúde, os seus profissionais, a sua organização. Amplo porque procura coligir olhares sobre a saúde para além das visões dos que “estão dentro da área”. Amplo porque procura dentro e fora do Bloco de Esquerda contributos e alinhamentos para a construção de um serviço público completo e de qualidade. Esperamos que este contributo que vos apresentamos seja mais um passo neste complexo combate por um mundo mais igual e saudável.
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