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A arte da imbecilidade política
Engana-se quem pensa que o 25 de Abril é uma data consensual em Portugal, porque não o é. Existe, como existiu desde o momento em que a Revolução começou, um conjunto de forças políticas e setores da nossa sociedade que vê o fim da ditadura fascista e o abrir caminho para a democracia com desdém, desconfiança e repulsa.
Enquanto militantes de esquerda, com orgulho em Abril e nas suas conquistas, que assistem com preocupação à ascensão da extrema-direita, a Concelhia de Barcelos do Bloco de Esquerda pintou, em 2021, um mural em saudação ao 25 de Abril. “Fascistas não passarão. Abril sempre.”, lê-se num dos muros da Central de Camionagem de Barcelos, acompanhada por um desenho de um cravo. Para qualquer democrata que se preze, esta inscrição representa valores básicos e inquestionáveis.
Muito recentemente, quase um ano depois da pintura, sete dos simpatizantes e militantes (entre eles me incluo) que a realizaram foram chamados a prestar declarações por esse ato, alvos de uma queixa-crime apresentada pelo Executivo da Câmara Municipal de Barcelos, na altura (ainda) nas mãos do Partido Socialista (PS). Viríamos a saber que a queixa foi feita já depois dos resultados das eleições autárquicas, em que o PS perdeu a Câmara para a coligação de direita. Ou seja, Miguel Costa Gomes, Presidente da Câmara cessante, a dias da passagem do poder, decidiu apresentar uma queixa contra quem pintou o mural.
Na edição desta semana de um dos jornais do concelho, este assunto foi noticiado. A peça jornalística contém declarações do então Presidente da Câmara, Miguel Costa Gomes, sendo que o próprio afirma: “[...] Só cumpri o meu dever, porque tenho de zelar pelo património municipal, como é o caso, e o que fiz foi dar seguimento a uma participação dos serviços, porque eu nem lá fui. Não tenho nada contra o Bloco de Esquerda.” Miguel Costa Gomes, ex-Presidente da Câmara e atual Presidente da Concelhia de Barcelos do PS, transforma-se em zelador dos muros degradados e há muito sem qualquer reparação ou cuidado, preenchidos com outras pichagens, políticas ou não. Esta situação, com contornos kafkianos, não deixa de ter motivações inteiramente políticas – um ataque claro ao Bloco de Esquerda e aos seus militantes.
Mural do Bloco de Esquerda - Foto de Miguel Martins
Em Barcelos, não faltam outros muros degradados (ignorados pelo executivo camarário), obras ilegais (permitidas pelo executivo camarário) e destruição do património municipal (parte dela, promovida pelo executivo camarário). Para o Partido Socialista, já que estava de saída da Câmara e com as malas praticamente feitas, o problema foi o mural que o Bloco de Esquerda pintou em saudação ao 25 de Abril.
Toda esta situação é surpreendente e roça o inimaginável, sendo resultado da ausência de uma cultura política democrática. Mas representa, também, a importância do espaço público enquanto lugar de crítica e contestação, um espaço da luta política e social. Acredito que haverá mais desenvolvimentos, mas não tenham dúvidas: não vão calar nem apagar Abril.
Comments
Com todo o ORGULHO, sou filho
Com todo o ORGULHO, sou filho, neto, bisneto, sobrinho e primo de barcelenses.
E com o mesmo ORGULHO, também eu repito o que está escrito no muro e que pelos vistos tanto incomoda algumas mentes: FASCISTAS NÃO PASSARÃO!
Caro Miguel Martins.
Caro Miguel Martins.
Não fique admirado. Também no PS se encontram algumas múmias confundíveis com os dinossauros do velho regime. Recordo-lhe (ou não será preciso) do papel de um presidente de câmara de S.Comba Dão que queria aí erigir um museu em honra do Botas. Lembro-me de então comentar que as vitórias do PS na autarquia estavam garantidas pela aliança entre "socialistas" e salazaristas. Quer-me parecer que as velhas referências do PS não passam hoje de figuras decorativas, pois não se tem ouvido, ou por vontade própria ou porque já foram arregimentados pela eficientíssima ala liberal.
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