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As sondagens e a felicidade do poder absoluto

O PS beneficia de um sonoro aplauso, de um presidente manietado, de um parlamento submetido e de um consenso que, melhor do que ninguém, as poderosas agências de notação indicaram ao mundo.

A vitória do PS é o que é, esmagadora. Vai governar quatro anos sem obstáculo. Já o fez de 2005 a 2009, repete-o agora, em circunstâncias diferentes. Beneficia, desde já, de um sonoro aplauso, de um presidente manietado, de um parlamento submetido e de um consenso que, melhor do que ninguém, as poderosas agências de notação indicaram ao mundo: a Fitch saúda a recusa das propostas da esquerda sobre as leis laborais e a dupla penalização das pensões, que "são agora altamente improváveis no Orçamento do Estado para 2022", pois "representavam um risco para as metas orçamentais"; a Moody's acrescenta que "ter governo maioritário é um bom augúrio para a capacidade de o Governo cumprir"; e a DBRS diz que isto garante "estabilidade num momento importante". O que diz a finança já tinha sido adivinhado por uma direita que se desbarreta, numa comovente homenagem ao vencedor: Costa passou a ser um génio, maior do que Mário Soares, proclama um efusivo Marques Mendes, o melhor da turma, classifica Júdice. Perante tal clamor, talvez os vencedores não se devessem iludir com o espelho. A vida difícil começa agora e o poder absoluto será um dos seus problemas.

A maioria absoluta é um risco para o PS. Já lá esteve e não foi feliz. A lei tem sido que nenhuma maioria absoluta seja lembrada como um progresso para Portugal. Ora, uma das fragilidades deste novo ciclo é a sua base de partida: uma convicta mobilização dos eleitores PS, mas não foi isso que lhe deu a vitória. Foi o medo na última semana que deu ao PS a maioria absoluta. Esses eleitores estão agora à espera, para ver como se comporta o governo. Concedem-lhe um período de graça, mas terminou o seu medo.

A maioria absoluta é um risco para o PS. Já lá esteve e não foi feliz. A lei tem sido que nenhuma maioria absoluta seja lembrada como um progresso para Portugal

O medo foi provocado pelas sondagens a última semana e foram os próprios responsáveis dessas empresas que quiseram discutir esse efeito. Lembro o que foi publicado: as sondagens da Sic e da RTP no último dia da campanha indicavam 3 e 2 pontos percentuais de diferença entre o PS e o PSD, garantindo que tinha havido uma aproximação entre os dois partidos. No dia das eleições, a diferença foi de 14%. E isso coloca uma questão: as sondagens enganaram-se e enganaram? O efeito foi importante? Foi: Pedro Magalhães, num texto do dia 31 explica que, desde 2002, há cerca de um quinto dos eleitores que se decide na última semana, portanto mais de um milhão de votos, e assim terá sido também desta vez, como se verificou pelo número de indecisos até então e, depois, pela redução da abstenção no dia 30. As eleições foram decididas nesse tempo.

"Porque é que os socialistas ganharam com tanta diferença em Portugal? Talvez porque não se esperava que isso acontecesse", pergunta e responde Pedro Magalhães. Não havia medo da maioria absoluta, que ninguém esperava (e as sondagens afastavam). Mas houve outro medo, o da vitória do PSD com a IL e o Chega pendurados, que decidiu a votação de muitos eleitores. Considerando unicamente três círculos grandes, Porto, Aveiro e Coimbra, a maioria absoluta seria garantida pela deslocação de 31 mil votos. Esses não eram eleitores socialistas mobilizados pelo Orçamento, foram eleitores de esquerda temerosos de um governo PSD ancorado na extrema-direita. O mesmo se passou no país inteiro.

Ao jornal Público, Jorge Cerol, que trabalhou no Centro de Sondagens da Universidade Católica, afirma que "as sondagens anunciavam quase um empate e isso levou ao voto útil no PS por parte de quem não queria correr o risco de voltar a ter um governo liderado pelo PSD. Não fosse isso, se calhar o Bloco de Esquerda e o PCP não teriam sido tão penalizados". António Salvador, da Intercampus, diz o mesmo: "Se as eleições fossem hoje, Costa ganharia facilmente, mas sem a maioria absoluta. E a esquerda não seria esvaziada da mesma forma". O Público conclui que, "ao apontarem a aproximação das intenções de voto no PS e no PSD, as diferentes sondagens lançadas ao longo da campanha eleitoral foram o principal motor da mobilização dos eleitores para o voto útil no PS. E, nessa medida, foram um instrumento crucial na conquista da maioria absoluta". As empresas foram as primeiras a levantar esta questão: as sondagens do último dia – sabemos agora que o erro foi de 1 para 7 - influenciaram os resultados. Paixão Martins, consultor chefe do PS, veio dizer, num discreto post, que, se as sondagens publicadas distribuíssem os indecisos, a "vitória confortável do PS" seria revelada, o que festejará que não tenha acontecido. Sugere que as empresas de sondagens terão mascarado os seus próprios resultados, mas o argumento não é convincente: a distribuição proporcional dos indecisos pouco ampliaria a margem do PS e nunca chegaria a 14 pontos.

Volto então ao ponto de Pedro Magalhães: a maioria absoluta formou-se na última semana pelo medo de um governo de direita e na presunção de que o PS não teria poder absoluto. Só que tem e o resultado é indisputável. Mais, a escolha que determinou que uma parte do eleitorado de esquerda tenha abandonado o terceiro lugar ao Chega, dado temer mais a vitória do PSD e, por isso, tenha concentrado votos no PS, deve ser respeitada como uma decisão ponderada. No entanto, essa razão esgotou-se. E Portugal volta a viver consigo próprio, com os seus atrasos, as suas contradições e os seus poderes. Não é de somenos que voltemos a um poder absoluto que só pode ser temido.

Artigo publicado no jornal “Expresso” a 4 de fevereiro de 2022

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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