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A desigualdade é o motor da economia?

A promoção da desigualdade como pilar da ordem social conduziu as políticas das últimas quatro décadas, sob as bandeiras da globalização e da financeirização. O processo desembocou em crises explosivas, como a de 2008, mas nada que o parasse. Assim continuamos.

Há perguntas que não se fazem e esta é uma delas: o que queremos para 2030? Falta pouco, mas o prazo está ainda dentro do campo de responsabilização instrumental. Não creio que questões deste tipo ocupem os governantes, antes “focados”, como hoje se diz com volúpia, em questões mais comezinhas de um imediato que raramente antecipam e menos ainda controlam. No entanto, acho razoável medirmos as escolhas políticas por bitolas desta ordem, o que queremos até 2030.

Pelo meu lado, quero uma escola de referência da creche até à universidade. Se a educação é o que nos diferencia de outras sociedades com maior potencialidade de crescimento ou de reconversão económica no contexto da transição climática, é também na educação que é preciso apostar, promovendo a oportunidade que é a igualdade, a sua diversidade e a articulação das escolas com o sistema científico. Custará mais do que a escola remendada que se esforça em proteger as crianças, mas a alternativa é certamente ainda mais cara, é a desigualdade e impreparação.

Aplaudiria um Serviço Nacional de Saúde universal e seguro, incluindo os serviços de cuidados com as pessoas dependentes. Pouca semelhança teria com o atual, excepto os seus profissionais. Mas será diferente a organização, com a alteração de padrões estruturais, como seja a maior responsabilização de enfermeiros por decisões de saúde, ou a sempre prometida articulação entre centros de saúde e hospitais para uma cobertura completa das necessidades.

E pode-se conceber 2030 sem que o salário e a pensão garantam o fim da precariedade e da pobreza? Já temos para trás alguns programas sobre essas questões e não menos promessas. Manda a verdade que se reconheça que as dificuldades se vão agravando, particularmente porque o salários (e a pensão) não permitem que a maioria das pessoas viva bem, e o regime de trabalho vai corroendo esses rendimentos. Duvido que sem a recuperação deste pilar de segurança a população acredite no seu país.

Seria fundamental termos em 2030, se não antes, um sistema bancário confiável. Só temos piorado nesse capítulo e os tempos não se anunciam confortáveis. Saber de um dirigente do Novo Banco que discute com os seus correligionários o “saque” constituído por mais um pedido de 147 milhões ao Fundo de Resolução é um programa em si mesmo.

Em 2030, as cidades deveriam ser diferentes para nelas podermos viver tranquilamente, o tempo vai escasseando. Não deveria haver carros nos centros das cidades, a ferrovia seria o eixo do sistema de transportes, estaríamos à beira do fim do petróleo, e a habitação recuperaria os bairros em substituição das colmeias. É um caminho difícil, não resta outro.

Uma democracia de maior intensidade, com igualdade entre homens e mulheres e respeito por todos, escapar-se-á do universo paranóico das redes sociais e do poder algorítmico, ou das fantasias de um metaverso que ambiciona domesticar comercialmente os nossos sentimentos, os nossos desejos e a nossa sociabilidade. Talvez nessa democracia o voto seja aos 16 anos e os jovens não sejam menorizados como imagens icónicas de uma teia digital.

Artigo publicado no jornal “Expresso” de 28 de janeiro de 2022

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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