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"O capitalismo privatiza a vida e socializa a morte"

As trabalhadoras da reprodução social são as mais mal pagas, são as primeiras a serem despedidas, enfrentam constantemente o assédio sexual e, muitas vezes, violências diretas. Entrevista com Tithi Bhattacharya, traduzida por Andrea Peniche.
Fotografia de Tithi Bhattacharya

A crise do coronavírus revelou a muitos de nós, com uma clareza brutal, a rapidez com que a sociedade pode mudar, mas também o que podemos - e não podemos - dispensar. Descobrimos que, em tempos de crise, grandes setores da economia capitalista podem ser quase fechados, enquanto os recursos são redirecionados para a saúde. Muitas coisas que antes se diziam impossíveis - desde a libertação de detidos até a suspensão das rendas e pagamentos de hipotecas ou a simples distribuição de dinheiro do banco por todas as famílias de um país - estão em andamento.

Tithi Bhattacharya tem refletido, já há algum tempo, sobre como seria uma sociedade cuja bússola fossem as vidas humanas e não as necessidades do mercado todo-poderoso. Tithi Bhattacharya é professora de história e diretora de “estudos globais” na Universidade Purdue, coautora de Feminismo para os 99%: Um manifesto, membro do conselho editorial da nova revista Spectre e editora de um livro recente intitulado Social Reproduction Theory: Remapping Class, Recentering Oppression. Conversámos com ela sobre o que a teoria da reprodução social nos pode ensinar sobre o movimento atual, as reivindicações que a esquerda deveria fazer agora e como podemos usar as lições aprendidas com a crise atual para prevenir a catástrofe climática.

Sarah Jaffe: Para começar, podes explicar-nos, rapidamente, o que é a teoria da reprodução social?

Tithi Bhattacharya: A melhor definição de reprodução social é o conjunto de atividades e instituições necessárias para produzir vida, mantê-la e garantir a sucessão de gerações. Eu chamo-lhes atividades de “realização da vida” [life-making].

Produzir vida em sentido estrito é fazer nascer. Mas, para manter esta vida, precisamos de todo um conjunto de outras atividades, como limpar, alimentar, cozinhar, lavar roupa. Existem exigências materiais institucionais: uma casa para morar; transportes públicos para ir de um lugar para outro; instalações públicas recreativas, parques, atividades extracurriculares. Escolas e hospitais fazem parte das instituições básicas necessárias para manter e realizar a vida.

Chamamos a essas atividades e instituições implicadas neste processo de vida “trabalho de reprodução social” e “instituições de reprodução social”. Mas a reprodução social é também um modo de pensamento. São lentes através das quais olhamos para o mundo que nos rodeia e tentamos compreendê-lo. Esse quadro analítico permite-nos localizar a fonte das riquezas na nossa sociedade, que é tanto a vida quanto o trabalho humano.

O quadro de pensamento capitalista, ou as lentes capitalistas, é o oposto da produção da vida; é para produzir coisas ou para gerar lucro. O capitalismo pergunta: "Quantas coisas podemos produzir?” Porque as coisas geram lucro. Considera, não o impacto dessas coisas nas pessoas, mas a criação de um império de coisas sobre o qual o capitalismo reina como necromante supremo.
A maior parte dessas atividades e a maioria dos empregos no setor da reprodução social - assistência, ensino, limpeza - são desempenhados por trabalhadoras. E como o capitalismo é um sistema de produção de objetos, não de vida, essas atividades e essas trabalhadoras são gravemente subvalorizadas. As trabalhadoras da reprodução social são as mais mal pagas, são as primeiras a serem despedidas, enfrentam constantemente o assédio sexual e, muitas vezes, violências diretas.

Jaffe: Estamos num momento em que zombies, como Glenn Beck, dizem muito claramente que ficariam felizes em morrer, se o capitalismo pudesse continuar a funcionar...

Bhattacharya: A crise do coronavírus foi tragicamente esclarecedora de duas formas. Primeiro, demonstrou o que as feministas da reprodução social vêm dizendo há algum tempo; que o trabalho de cuidar1  e a produção da vida são essenciais para a sociedade. Neste momento em que estamos confinados, ninguém diz: "Precisamos de corretores e banqueiros de investimento!". Diz: “Continuemos a fazer trabalhar as enfermeiras, as empregadas domésticas, os serviços de recolha de lixo e produção alimentar”. Comida, combustível, abrigo, limpeza são “serviços essenciais”.

A crise revelou também, tragicamente, como o capitalismo é completamente incapaz de responder a uma pandemia. Está muito mais voltado para maximizar o lucro do que para a manutenção da vida. [Os capitalistas afirmam] que as maiores vítimas de tudo isso não são as inúmeras vidas perdidas, mas a economia. A economia parece então ser a criança mais vulnerável, a quem todos, de Trump a Boris Johnson, estão preparados para proteger a todo custo.

Ao mesmo tempo, o setor da saúde, nos Estados Unidos, foi desmembrado por privatizações e medidas de austeridade. As pessoas dizem que as enfermeiras devem fazer máscaras em casa. Sempre disse que o capitalismo privatiza a vida e a produção da vida, mas acho que devemos reformular esta ideia depois da pandemia: "O capitalismo privatiza a vida, mas também socializa a morte".

Jaffe: Gostaria que falássemos sobre como o trabalho de cuidar e outras formas de reprodução social são desvalorizadas. O governador da Pensilvânia compilou uma lista de serviços vitais que podem permanecer abertos. Os lixeiros abandonaram o trabalho, porque não tinham equipamentos de proteção. A nossa tendência para desvalorizar este tipo de trabalho é afetada - e também afeta - pela forma como pensamos sobre as pessoas que o executam...

Bhattacharya: Os lares e a indústria de apoio assistido acolhem hoje 4 milhões de pessoas nos Estados Unidos. A maioria delas depende do Medicare. O New York Times escreveu, recentemente, que 380 000 pacientes morrem a cada ano de infeções nos estabelecimentos prestadores de cuidados a longo prazo, que muitas vezes não estão dispostos a investir em instalações de saúde e sanitárias adequadas. Essas instituições desempenham um papel importante no agravamento das epidemias, ao qual se junta um fator agravante: nos Estados Unidos, 27 milhões de pessoas não têm cobertura médica.

Quase 90% dos profissionais de saúde e cuidadores domiciliários nos Estados Unidos são mulheres. Mais de 50% delas são mulheres racializadas. Eu não sei - e ninguém sabe - quantos deles e delas estão em situação irregular. São duplamente vulneráveis, tanto à perda dos seus empregos quanto a ataques do ICE [agência de controlo de imigração e alfândega do Departamento de Segurança Interna, SEF]. Em média, ganham cerca de 10 dólares por hora, a maioria não tem proteção na doença ou seguro saúde. São estas mulheres que, com o seu trabalho, permitem a existência de um grande número de estabelecimentos de cuidados no nosso país.

Analisei algumas das categorias profissionais que estão na lista dos serviços essenciais compilados pelos Estados do Indiana e da Pensilvânia e comparei os salários desses trabalhadores essenciais com os salários dos CEO. A diferença é astronómica. As mulheres que trabalham nesses serviços agora ditos essenciais - que nós, enquanto feministas e socialistas, sempre consideramos essenciais - recebem menos de 10 dólares por hora, enquanto os banqueiros ficam sentados em suas casas.
Durante a crise, precisamos de exigir a instituição imediata daquilo a que chamo "pagamento pandémico" para as trabalhadoras e trabalhadores dos cuidados essenciais. Elas e eles arriscam as suas vidas. Elas e eles precisam de salários significativamente mais altos. Que se invista imediatamente em hospitais e serviços médicos, que se nacionalize a saúde privada, como fez Espanha. Que se generalizem os cuidados à infância e que se forneça a todas as pessoas ajuda financeira e, em particular, a todas e todos os trabalhadores que se deslocam para o trabalho.

Que acabem as rusgas dos serviços de imigração e as deportações que impedem o acesso a cuidados médicosa - por causa do medo de ir ao médico e do encontro com o SEF. Irlanda e Portugal aprovaram leis que estendem todos os vistos e abolem o estatuto de pessoa indocumentada. Esses são os modelos que devemos seguir.

Jaffe: Um dos grandes saltos da epidemia no Estado de Washington deveu-se ao facto de as trabalhadoras domésticas terem vários empregos e, portanto, levarem o vírus para vários lares de idosos. Não ser pago o suficiente pelo seu trabalho causa uma maior disseminação do vírus...

Bhattacharya: O vírus, em certo sentido, é democrático. Até tocou o príncipe Carlos. Mas isso não nos deve levar a crer que o acesso à vacina vai ser tão democrático quanto o vírus. Como acontece com todas as outras doenças em um contexto capitalista, a pobreza e o acesso aos cuidados de saúde irão determinar quem vive e quem morre.

Isso terá um efeito devastador no meu país, a Índia. O primeiro-ministro fascista Narendra Modi acaba de ordenar um confinamento de 21 dias. Todas as cidades fecharam as portas do comércio. O que está a acontecer com os trabalhadores migrantes? Modi tem um plano para eles? Não. Milhões de trabalhadores vagueiam literalmente pelo país para regressarem às suas cidades de origem, hordas de pessoas caminham nas estradas de oeste a leste. Modi encerrou todos os transportes públicos e privados para os impedir de voltar para casa, pois podem ser portadores do vírus e contagiar. Modi garantiu, no entanto, que os indianos que moravam fora do país - principalmente da classe média alta - pudessem voltar para a Índia. Houve voos especiais, exceções feitas para permitir a descolagem de aviões, apesar dos cancelamentos anunciados, bem como a emissão de vistos específicos.

É deste modo que muitos governos capitalistas no Sul Global vão cuidar dos seus pobres. Veremos a doença reinar nas favelas de Calcutá, Mumbai, Joanesburgo e assim por diante. Já se ouvem declarações dos nossos líderes a garantir que o vírus é uma forma de o planeta se recuperar, de se livrar de pessoas indesejadas. É um apelo eugénico à eliminação social dos mais vulneráveis ​​e dos mais fracos. 

Jaffe: O que isso nos mostra não é que as emissões de gases com efeito estufa diminuem com o número de pessoas - já que a maioria das pessoas não está a morrer. O que isso nos mostra é que o mundo é muito mais habitável sem tanto trabalho, porque agora as pessoas não fazem - como disseste - mais do que o trabalho de produzir vida...

Bhattacharya: Este argumento do coronavírus como um botão de reset do planeta é um argumento ecofascista. O que deveria ser é um botão de reset para a organização social. Se o vírus desaparecer e nós voltarmos a viver a mesma vida de antes, não aprendemos nada.

Por ser necessário ficar em casa, pudemos encontrar a beleza e o tempo para desfrutar as pessoas com quem dividimos as nossas casas. Mas não nos podemos esquecer que as nossas casas, sob o capitalismo, ao mesmo tempo que proporcionam segurança e proteção, são também palco de incrível violência. Há dois dias, recebi um e-mail de uma casa-abrigo para mulheres vítimas de violência doméstica, onde sou voluntária, a perguntar se estava a pensar em voltar, porque estavam a prever um aumento do número de casos.

As minhas camaradas feministas no Brasil, Sri Lanka e Índia relatam a mesma coisa: um aumento da violência doméstica devido ao "efeito panela de pressão" do confinamento. Não precisamos de isolamento social. Precisamos de isolamento físico e solidariedade social. Não podemos ignorar o vizinho idoso que mora do outro lado da rua e para quem ir ao supermercado pode não ser seguro. Não podemos ignorar a nossa colega que chega ao trabalho muito maquilhada ao redor dos olhos e que diz que bateu a cabeça contra uma porta.

Precisamos de, regularmente, ter a certeza de que essas pessoas estão bem.

As pessoas fazem tudo isso voluntariamente, embora os nossos governantes façam o mínimo para incentivá-las. Os professores e as professoras visitam os alunos, tranquilizam-nos e dizem-lhes: “Vai correr tudo bem!”. A escola da minha zona, como muitas outras, fornece refeições a menores de 18 anos. No meu estado, elas são distribuídas nas residências. Isso não é algo que o governo federal ou qualquer político tenha defendido. Foram os professores, as professoras e as escolas que decidiram por sua própria iniciativa. São atos ​​de solidariedade notáveis, de amor e de ternura que florescem nesta crise terrível. Esses são os nossos recursos de esperança.

Jaffe: Pergunto-me sobre o trabalho doméstico, porque estamos numa situação em que muito desse trabalho “essencial” ainda é feito principalmente por mulheres. E o trabalho de cuidar, pelo qual essas mulheres normalmente são responsáveis ​​em casa, é agora feito pelos seus repentinamente menos "essenciais" maridos. Que perspetiva traz isso à compreensão de alguns dos trabalhos de reprodução social?

Bhattacharya: Joan C. Williams é autora de um estudo interessante que mostra que os homens da classe trabalhadora cuidam mais das crianças do que os da classe média. Estes últimos gabam-se disso, enquanto os primeiros não gostam de o admitir, por ser considerado um trabalho de mulher.
Pergunto-me se esse tabu vai enfraquecer. Em média, nos Estados Unidos, as mulheres gastam nove horas a mais por semana em trabalho doméstico do que os homens. Essa diferença de tempo trabalhado pode mudar, mas eu pergunto-me se as atitudes são suscetíveis de evoluir. Os homens vão ter orgulho de manter a sua família unida enquanto as suas parceiras ajudam a manter o mundo unido?

Jaffe: Uma das razões pelas quais os homens não admitem isso, como disseste, é porque é trabalho de mulher. Muito desse trabalho é também racializado. Muitas das pessoas que fazem esse trabalho de cuidado são mulheres imigrantes, mulheres racializadas.

Bhattacharya: Nos Estados Unidos, esse trabalho é racializado. Noutras partes do mundo, por exemplo na Índia, são ainda as mulheres migrantes, as mais pobres e, muitas vezes, de casta inferior. Em qualquer sociedade, são as pessoas mais vulneráveis ​​que fazem esse trabalho. Os seus salários e prestações sociais refletem isso.

Em termos de reprodução social, muitas das tarefas que precisamos fazer num determinado dia são feitas por mulheres racializadas. Não poderíamos comer, andar nas ruas, cuidar dos nossos filhos e dos nossos idosos, ter casas e os hotéis limpos sem o trabalho das mulheres migrantes e negras. O capitalismo não reconhece este trabalho de produção do mundo.

Jaffe: Ouve-se muito dizer que esta crise que vivemos é como uma guerra. Mas o economista James Meadway refere-se a isso mais como a antítese de uma economia de guerra, porque o que precisamos de fazer é o inverso da guerra. Precisamos desacelerar a produção. Espero que isso possa ajudar-nos a entender que o trabalho que é necessário e que terá de continuar a existir, mesmo num mundo radicalmente diferente, é um trabalho que temos subestimado sistematicamente há séculos, ao contrário das tropas que estamos habituados a fetichizar.

Bhattacharya: Concordo com o James, que a produção precisa desacelerar. No entanto, este não é o caso para todos os tipos de produção. Devemos aumentar a produção de medicamentos, alimentos e outros bens essenciais para a vida. Nos Estados Unidos, o país mais rico do planeta, tenho amigas enfermeiras que vão trabalhar sem os equipamentos adequados.

Mas analisemos, por exemplo, as compras online. É ótimo poder pedir roupas ou sapatos. Mas temos de nos lembrar que, mesmo que um par de sapatos já tenha sido produzido, uma vez encomendado, ele precisa passar por vários locais de trabalho até chegar à nossa porta. Pensemos nos camionistas que fazem isso, nas pessoas que mantêm as estações de serviço abertas, nas pessoas que as limpam. Se encomendas medicamentos essenciais online, siga! Mas talvez esse lindo par de sapatos possa esperar.

Não temos o hábito de pensar no trabalho invisível que está por trás desses sapatos. Não pensamos nos seres humanos das cadeias de produção e da logística que entregam esses sapatos à nossa porta. Mas, nesta época de pandemia, temos que pensar nessas pessoas e decidir se devemos arriscar que trabalhem e façam isso por nós. É um risco que lhes queremos impor? Trata-se de olhar para o trabalho humano mais do que para o seu produto.

A segunda coisa, a propósito da frase “apoie as nossas tropas”. Creio que precisamos redefinir completamente esse termo. Os trabalhadores e trabalhadoras da saúde, da produção de alimentos, da limpeza, do lixo são nossas tropas! Estas são as pessoas que devemos apoiar. Não devemos pensar nas tropas como pessoas que matam. Devemos pensar nas tropas como pessoas que dão e permitem a vida.

Jaffe: Já se passaram algumas décadas desde nos confrontamos com a recusa de o capitalismo mudar para combater as alterações climáticas, e hoje vemos como as coisas podem mudar rapidamente, com as destilarias, e até mesmo a Ford, a planearem mudar a forma de produzir para fabricarem gel hidroalcoólico ou ventiladores. Que lições isso nos dá em relação à futura luta contra a catástrofe climática?

Bhattacharya: A nossa luta pela infraestrutura é necessária, mas não suficiente. Devemos lutar por uma mudança de atitudes em relação à organização social. É muito mais difícil do que lutar apenas por conquistas social-democratas. Já sabemos que um aumento da temperatura global ameaçará a nossa capacidade de produzir alimentos ao nível mundial.

Se não forem controladas, as temperaturas aumentarão a tal ponto que, em lugares como o sul da Ásia e a África, a agricultura ao ar livre tornar-se-á impossível durante uma grande parte do ano, e o gado morrerá. Agora, em Delhi, onde minha família mora, as escolas têm que ser fechadas durante longos períodos de tempo por causa do calor excessivo e, no inverno, fecham por causa da nuvem de poluição.

A ameaça que pende sobre a produção agroalimentar transformar-se-á numa espiral de sexismo crescente e, possivelmente, de violência contra as mulheres em todo o mundo, porque são as mulheres ou aquelas identificadas como tais que são "responsáveis" por pôr comida na mesa e, muitas vezes, pela produção concreta das refeições. E já existe no mundo inteiro uma crise de água potável que vai agravar-se.

Por outras palavras, se não tratarmos as alterações climáticas com o mesmo grau de urgência com que hoje tratamos o coronavírus, esta pandemia parecerá férias em comparação com o que está por vir. O apocalipse climático não será temporário e muitos de nós não teremos opção de abrigo.
Vemos, atualmente, medidas excecionais que os Estados capitalistas podem tomar em situação de crise. O governo britânico paga 80% dos salários de muitos trabalhadores. O governo dos Estados Unidos planeia enviar cheques às famílias. Mas se esse tipo de medidas e esse foco no que é essencial se desvanecerem, quando a crise passar, então o apocalipse climático virá e não haverá como dele sair.

Após a crise da COVID-19, o capitalismo tentará voltar ao normal. Os combustíveis fósseis continuarão a ser usados. A nossa tarefa é não deixar o sistema esquecer.

Sarah Jaffe é repórter do Type Media Center, autora de Necessary Trouble: American in Revolt e coapresentadora do podcast Dissent’s Belabored

Tithi Bhattacharya é professora de História Asiática na Universidade Purdue, Indiana.

*Entrevista originalmente publicada na revista Dissent, abril de 2020.

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Neste dossier:

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Esquematicamente, os eventos familiares significam rituais de cuidados recrutadores, de forma discriminada e discriminatória, de mão-de-obra para a sua preparação, realização e desfecho. Artigo de Mafalda Araújo.

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O movimento co-housing, como o conhecemos atualmente, surgiu na Dinamarca no final dos anos 60, tendo, mais tarde, sido adaptado noutros países. Artigo de Conceição Nogueira.

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Que vida além dos 60?

A situação da população mais idosa é grave, apesar das transferências sociais. Se quem trabalha e aufere o salário mínimo é pobre, o reformado que recebe uma pensão igual ou inferior a 540 euros também é pobre. Artigo de Deolinda Martin e Isabel Ventura.

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Manifesto "Cuidar de quem cuida"

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social, capaz de pôr em causa as desigualdades – de género, de classe, de origem territorial – que hoje prevalecem. Manifesto de José Soeiro, Mafalda Araújo e Sofia Figueiredo. 

Manifesto: Reconstruindo a organização social do cuidado

Este é um movimento global para exigir a reconstrução da organização social do cuidado. É hora de reconhecer o valor social e económico dos trabalhos de cuidado (remunerado e não remunerado) e o direito humano ao cuidado. 

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