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Ómicron, vacinas e patentes

Dois anos após o início da covid-19, as vacinas têm sido o sucesso no combate à doença. A ómicron mostra a necessidade das vacinas chegarem a todo o mundo. O fim da pandemia exige a rápida vacinação global e o levantamento das patentes, impostas pelas grandes farmacêuticas, protegidas pelos países ricos.
Omicron e outras variantes da SARS-CoV2 – imagem da wikipedia
Omicron e outras variantes da SARS-CoV2 – imagem da wikipedia

Quase dois anos decorridos desde o início da pandemia, a covid-19 já provocou, até 25 de dezembro de 2021, em todo o mundo, cerca de 280 milhões de infeções e 5,4 milhões de mortos1, registam-se também cerca de 250 milhões de recuperações.

Para além, do elevado número de pessoas mortas e gravemente doentes durante longos períodos, os efeitos da pandemia afetam brutalmente toda a sociedade, os seus sistemas de saúde, as condições de vida das pessoas, as economias dos países e a economia mundial. E, estamos muito longe de avaliar os efeitos da pandemia de covid-19 em todo o mundo.

2022, o ano do fim da pandemia?

No passado dia 20 de dezembro, Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), afirmou que "2022 deve ser o ano em que pomos fim à pandemia"2. O diretor-geral da OMS falava a propósito dos cuidados a ter face à nova variante ómicron, alertando para a necessidade de prosseguir o combate à covid-19, apesar do cansaço provocado pela pandemia.

Nessa intervenção, Tedros Ghebreyesus salientou, no entanto, que "se queremos acabar com a pandemia no próximo ano, devemos pôr fim à desigualdade, garantindo que 70% da população de cada país é vacinada até meio do ano"3.

Entretanto, nos últimos dias, foram divulgadas as conclusões de um estudo de dois cientistas (o microbiólogo da Universidade de Cambridge Ravindra Gupta e o investigador do Scripps Research Translational Institute Eric Topol)4. Os dois cientistas analisaram estudos recentes sobre infeções da covid-19 e sobre a eficácia das terceiras doses na proteção contra variantes e as conclusões foram publicadas na revista Science5. Os cientistas apontaram que o surgimento de variantes como a Ómicron é “um alerta da ameaça que significa” o SARS-CoV-2. Sublinharam também a importância das vacinas, pois uma terceira dose permite restaurar a eficácia das vacinas em mais de 90% face a doença grave.

Desigualdade e novas variantes

A variante ómicron, que se espalha mais rapidamente, mostra a importância de acelerar e ampliar o combate à covid-19, tal como já outras variantes, nomeadamente a delta, tinham igualmente alertado.

O surgimento de variantes em diferentes países e o facto de se espalharem rapidamente alerta que não basta combater a pandemia nalguns países e/ou continentes, é decisivo ampliar esse combate a todos os países, pois sem isso não se conseguirá acabar com a pandemia.

Por outro lado, o principal combate à pandemia tem sido feito através da vacinação em massa, tendo cerca de 55% da população mundial recebido pelo menos uma dose. Tem sido a vacinação que permite evitar novas contaminações e, mesmo quando acontecem, diminui a sua perigosidade. Segundo os dados já citados, houve até agora cerca de 280 milhões de pessoas infetadas, desses casos cerca de 250 milhões já foram recuperados.

No entanto, só 7,5% da população que vive no continente africano recebeu as duas doses de uma vacina contra a covid-19 e apenas 6,2% das pessoas que vivem em países de baixos rendimentos receberam pelo menos uma dose da vacina6.

Michael Ryan, diretor executivo do Programa de Emergências Sanitárias da OMS, afirmou com oportunidade que a desigualdade nas vacinas é “a injustiça mais horrível de 2021”7.

Levantar as patentes das vacinas

“Há um ano, a OMS pediu a abertura das patentes das vacinas para facilitar a sua distribuição global de vacinas. As farmacêuticas opuseram-se e os governos dos países ricos fizeram-lhes o favor de protegerem os seus lucros milionários”, assinalou Bruno Maia8, no dia 19 de dezembro.

Nesse artigo, o médico do Bloco de Esquerda salienta que todos os argumentos apresentados para a recusa da abertura das patentes já caíram por terra e não se sustentam.

A abertura das patentes das vacinas tem sido pedida pelas mais variadas personalidades e organizações. Ainda antes do início da vacinação, já a OMS alertava para a sua necessidade, a organização foi sublinhando e repetindo essa urgência, com o próprio diretor-geral a se manifestar nesse sentido em março de 2021, em artigo publicado no The Guardian9.

Em fevereiro de 2021, António Guterres, secretário-geral da ONU, denunciou que "mais de três quartos das doses de vacinas foram administradas em apenas 10 países, enquanto mais de 130 nações ainda não receberam uma única dose" e criticou o “nacionalismo das vacinas”.

Papa Francisco apelou à suspensão temporária das patentes das vacinas, em maio de 202110.

Porém, os países ricos, sobretudo a União Europeia (incluindo o Governo do PS), têm-se oposto ao levantamento e têm apoiado as grandes farmacêuticas.

Quando vemos espalhar-se rapidamente em toda a Europa a nova variante ómicron, detetada pela primeira vez na África do Sul, é impossível esquecer os custos do não levantamento das patentes das vacinas.

Bruno Maia, no artigo citado11, chama a atenção que a Comissão Europeia (com o apoio dos governos europeus) permitiu e promoveu a “pornográfica ascenção de lucros, assinando contratos opacos com as farmacêuticas, mantendo uma parte da população mundial excluída das vacinas e prejudicando a suas próprias economias”.

“A cada segundo que passa, Pfizer e Moderna lucram 880€ pela venda das vacinas. São 52.800€ por minuto, 3.168.000€ por hora, 76.032.000€ por dia, mais de 2 mil milhões por mês! (People’s Vaccine Alliance)”, denuncia Bruno Maia.

Entretanto, as infeções com a nova variante ómicron multiplicam-se em toda a Europa, as populações sofrem a necessidade de novos confinamentos e as economias europeias voltam a ter o impacto do atual crescimento das infeções.

O levantamento das patentes das vacinas contra a covid-19 foi uma exigência crescente e terá de continuar em 2022.

O falhanço da extrema-direita e da sua nefasta política

A extrema-direita destacou-se pela sua resistência ao combate da pandemia, pelo levamento de constantes obstáculos à tomada de medidas para defender a saúde pública e a população.

Os casos extremos, e mais conhecidos, foram a administração Trump nos EUA e o Governo de Bolsonaro, que o seguiu no Brasil. No entanto, as atitudes negacionistas repetiram-se na extrema-direita de muitos outros países e sentiram-se em posições que assumiram em Portugal.

A política seguida por Trump nos EUA em relação à pandemia ajudou a desmascará-lo junto de largos setores população dos Estados Unidos.

Os números brutais da pandemia no Brasil são o exemplo flagrante da nefasta política do seu Governo. O Brasil teve até agora mais de 22 milhões de casos e mais de 600 mil mortos, enquanto a Índia, com muito mais população, tem cerca de 35 milhões de casos e mais de 480 mil mortos. A política do Governo Bolsonaro tem sido condenada e bem como uma política criminosa.

Mas a política seguida pela extrema-direita, resistindo à tomada de medidas de combate à pandemia, recusando atempadamente o reforço de medidas de defesa da saúde pública, em nome do funcionamento da economia e do mercado é o exemplo do que significa a política da extrema-direita para a população trabalhadora. O caráter antissocial da política da extrema-direita, claro nos últimos dois anos na forma como responderam à pandemia, é uma lição que não deve ser esquecida no futuro.

Notas:

(...)

Neste dossier:

2021, o ano em revista

2021 está a terminar. A pandemia marcou o ano, pelos riscos imediatos para a saúde, a vida humana e a economia. As alterações climáticas são o grande risco para o planeta, mas as medidas de combate continuam a ser adiadas. Mas o ano foi feito de vários outros acontecimentos que também lembramos.

António Mexia, Manuel Pinho, José Sócrates e Nunes Correia, então ministro do Ambiente,  durante a cerimónia de apresentação da Barragem de Ribeiradio, em Couto de Esteves, Sever do Vouga, 20 de Fevereiro de 2009. Foto de JOÃO ABREU MIRANDA/LUSA

Um ano entre a borla fiscal nas barragens e os lucros caídos do céu

As águas das barragens foram propícias para os lucros da EDP, houve bons ventos para manter os “lucros caídos do céu” das eólicas e as remunerações de administradores e dividendos de acionistas também estiveram em alta. Com preços da energia a subir e salários estagnados, quem perdeu foram consumidores e trabalhadores.

Invasão do Capitólio. Foto de Tyler Merbler/Flickr.

O ano do assalto ao Capitólio

Nos EUA, a sede do poder legislativo foi invadida em janeiro por apoiantes de Trump que tentavam impedir a certificação da vitória de Biden. O rescaldo do caso que causou cinco mortes ocupou todo o ano. Desde a razão pela qual isto foi possível até às ligações perigosas da equipa de Trump com os manifestantes.

Biden no Porto de Baltimore. Foto de Maryland GovPics/Flickr.

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Migração em 2021: Desumanização e crise sanitária

Em 2021, o Mediterrâneo continuou a ser um “cemitério sombrio sem lápides”. A solidariedade europeia não passou de uma declaração de intenções e a perseguição e criminalização de migrantes e de quem os auxilia foi a regra.

Omicron e outras variantes da SARS-CoV2 – imagem da wikipedia

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O 11 de julho de 2021 ficará marcado na História de Cuba como o dia em que o povo dos bairros mais pobres saiu às ruas em protesto contra o governo - Foto publicada por Dean Luis Reyes/Facebook

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Crise económica, falta de alimentos e perda do poder de compra levou o povo às ruas em protesto. Governo reagiu com a repressão, acusando todos os que se manifestaram de serem contrarrevolucionários e mercenários. Por Luis Leiria.

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