Romper a quietude: o caso da justiça

porJosé Manuel Pureza

01 de December 2021 - 11:15
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Substituir uma Justiça cara e seletiva por um verdadeiro serviço público de Justiça – esse é um dos desafios maiores da nossa democracia.

Em 2021, a política que o país exige não se compadece com a multiplicação de anúncios sem consequência ou com consensos ao centro destinados a não deixar que se reforce a intensidade da nossa democracia em domínios até agora tratados como área reservada do bloco central.

É assim com a Justiça, que PS e PSD têm assumido como se fosse uma área da democracia basicamente imutável, onde apenas se permitem uns retoques técnicos em códigos de processo, em conselhos superiores ou em simplexes contra o atavismo.

Não são esses retoques que vão ao essencial. E o essencial é uma Justiça cara e colonizada por quem tem posses para litigações longas, feitas de manobras dilatórias e jogo de prazos de prescrição.

O essencial é uma Justiça injusta para muitos dos profissionais que nela trabalham e que vivem numa precariedade crescente e com uma complexidade de exigências sempre a aumentar.

O essencial é uma política penitenciária cada vez mais centrada no encarceramento – isto é, na prática, ao armazenamento de reclusos sem horizontes de vida alternativos – e em que as prisões, em vez de serem lugares de aprendizagem quotidiana dos direitos, são buracos negros de legalidade.

Contra a placidez com que sucessivos governos do velho arco da governação têm tratado a Justiça, a exigência de uma democracia forte é a da criação de um Serviço Nacional de Justiça tão robusto e socialmente abrangente como devem ser o SNS e todos os outros serviços públicos. Há três linhas de atuação imediata que darão concretização a este propósito.

Primeira, uma redução generalizada das taxas e custas judiciais, designadamente na jurisdição de trabalho, e um reforço do regime de acesso ao Direito e aos tribunais na perspetiva da sua efetiva universalidade.

Segunda, um combate tenaz contra a precariedade e a desproteção social dos profissionais da Justiça, que inclui a inclusão do regime previdencial de advogados e solicitadores na Segurança Social, a revisão dos montantes e da forma de cálculo dos honorários dos advogados inscritos no sistema de acesso ao Direito, a exigência de um contrato de trabalho para os advogados obrigados à prática de falsos recibos verdes e o respeito pelos direitos e pela dignidade profissional dos oficiais de justiça e dos trabalhadores do Instituto de Registos e Notariado.

Terceira linha de atuação fundamental: a dignificação do sistema de execução de penas, criando condições para que a reinserção social seja efetivamente o objetivo central e não uma aparência consumida em burocracia e exigindo que direitos tão básicos como o de apoio jurídico aos reclusos sejam realmente cumpridos.

Substituir uma Justiça cara e seletiva por um verdadeiro serviço público de Justiça – esse é um dos desafios maiores da nossa democracia.

Artigo publicado no diário “As Beiras” a 30 de novembro de 2021

José Manuel Pureza
Sobre o/a autor(a)

José Manuel Pureza

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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