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A outra face da maior colheita de sempre

A maior colheita de azeitona de sempre! Os títulos dos jornais e as reportagens não podiam ser mais encomiásticos. Quase sem dar por isso e apesar dos críticos do costume, viveríamos num mundo à beira da perfeição, não foram umas pequenas nuvens que sempre espreitam no horizonte.

A maior colheita de azeitona de sempre! Os títulos dos jornais e as reportagens não podiam ser mais encomiásticos. Na campanha de 2021/2022 a produção nacional de azeite rondará as 200 mil toneladas, com destaque para os olivais superintensivos de Alqueva ondea produtividade em árvores plantadas há dois anos atingiráos 12 mil quilos de azeitona por hectare.

Um autêntico “Oil Dorado”! Quase sem dar por isso e apesar dos críticos do costume, viveríamos num mundo à beira da perfeição, não foram umas pequenas nuvens que sempre espreitam no horizonte.

Em primeiro lugar, a maior parte da riqueza gerada nos olivais (e amendoais) superintensivos não fica na região, nem sequer no país. Grandes quantidades de azeitona seguem a granel para o país vizinho, até com a desculpa plausível de que, apesar de os novos lagares crescerem como cogumelos, Portugal não tem ainda capacidade instalada para tratar tanta azeitona. Muita desta produção será exportada para os mercados internacionais como “azeite espanhol”, por supuesto

Os lagares não conseguem dar resposta ao aumento exponencial da produção e deixam para trás os pequenos produtores de variedades como a Galega, dando prioridade aos superintensivos da azeitona Arbequina, com origem na Catalunha. O problema maior, no entanto, vai desembocar à porta das três fábricas de bagaço de azeitona do Alentejo – Alvito, Odivelas e Fortes – que chegam a receber 5 mil toneladas por dia e não conseguem tratar mais de 1 tonelada. Em consequência, as fábricas vão laborar 24 horas por dia até e durante o próximo Verão, com efeitos dramáticos para o ambiente e para a saúde das populações, como é bem visível no caso das Fortes. A permissividade do governo e a ausência duma aposta consistente em alternativas ecológicas, como a compostagem do bagaço de azeitona para produção de fertilizantes, não auguram nada de bom.

O aspeto social é, sem dúvida, a face mais negra do mega agronegócio. A falta de mão de obra não se traduz na criação de emprego e, menos ainda, de emprego com direitos. Este ano, a juntar às dezenas de milhar de imigrantes africanos e asiáticos, mais alguns milhares acabam de chegar de Espanha, quase todos em situação ilegal e à mercê de traficantes de várias nacionalidades.

De Serpa a Ferreira do Alentejo, passando por Beja, Moura, Vidigueira, Cuba, Alvito e Aljustrel, milhares de homens e mulheres trabalham e sobrevivem em condições miseráveis, sobretudo no que respeita à habitação. Há quem ganhe muito dinheiro “alugando” prédios e até antigas pensões abandonadas, por vezes a poucas dezenas de metros do edifício da Câmara Municipal…

Se a pandemia acordou o país para o escândalo de Odemira, é preciso dizer que no imenso perímetro de Alqueva está montada uma bomba-relógio. Infelizmente tal não é novidade, mas nada pode justificar a indiferença, pública e privada. A indiferença mata, sobretudo em tempos de pandemia, e o silêncio é o seu cúmplice. Depois, ninguém venha dizer que ficou surpreendido!

Artigo publicado em Rádio Pax a 26 de novembro de 2021

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda
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