Este orçamento?

porBruno Maia

03 de November 2021 - 11:32
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O Orçamento de Estado apresentado pelo PS, que lhe valeu elogios de muitos sectores de direita por “ser o mais à esquerda de sempre” – Marques Mendes dixit, merece ser analisado mais profundamente. Vamos à saúde.

O Orçamento de Estado apresentado pelo PS, que lhe valeu elogios de muitos sectores de direita por “ser o mais à esquerda de sempre” – Marques Mendes dixit, merece ser analisado mais profundamente do que a espuma verborreica que se esfuma no comentário do dia-a-dia. Vamos à saúde.

1. Há mais 700 milhões de euros do que no ano anterior. Certo. Mas o que é que isso significa? Há medidas estruturais para resolver os problemas do SNS? Onde estão? Esses 700 milhões servem para quê?

a) Há medidas estruturais que são enunciadas no texto do orçamento: dedicação plena, internalização de meios complementares de diagnóstico, fixação de médicos no interior. Mas quais são as verbas destinadas a essas medidas? Não sabe? O orçamento também não e o Governo não o diz!

b) Há uma rubrica no orçamento que prevê um gasto acrescido de 124 milhões de euros em relação a 2020: aquisição de bens e serviços, ou seja, compras e contratos com o sector privado; e outra que prevê gastar em 2022, 407 milhões de euros: parcerias público-privadas. Pelo menos este dinheiro sabemos aonde vai parar: privados!

c) Há neste orçamento medidas que são um perfeito “copy-paste” dos orçamentos de 2020 e 2021. O Governo enuncia no texto do orçamento a intenção de implementar uma medida e depois ou não lhe atribui verba, ou quando atribui, ela não é executada. Tem sido assim com uma parte significativa do investimento ou com medidas estruturais como a dedicação plena dos profissionais ou a evolução das Unidades de Saúde Familiar.

 

2. No orçamento de 2021, o Governo tinha previstos 50 milhões de euros para compra ou remodelação de equipamento pesado para o SNS (ressonâncias magnéticas, aparelhos de radioterapia, por exemplo). A dois meses do final do ano estão executados 9,7 milhões, menos de 20% do prometido. Em novas estruturas hospitalares sucedeu o mesmo: prometidos 122 milhões em 2021, executados 57 milhões, menos de metade. Nos cuidados primários, os números são ainda mais escandalosos: orçamentados 302 milhões, dos quais terão sido executados até à data apenas 0,1%!

 

3. O orçamento de 2022 enferma de delírios inexplicáveis:

a) Afirma terem sido executados 10 milhões para a construção do novo Hospital Oriental de Lisboa... mas o projeto ainda nem foi adjudicado. Para 2022 prevê gastar 73 milhões de euros em equipamentos para aquele hospital... quais equipamentos se a construção ainda nem começou? Construção essa que será feita em parceria público-privada!

b) Para o novo Hospital do Funchal prevê uma execução em 2021 de 18 milhões de euros... mas o projeto que ainda agora começou, está na fase de escavações, cujo financiamento está atribuído ao Governo Regional da Madeira!

c) O novo Hospital do Seixal tem uma verba de 28 milhões de euros em equipamento atribuída. A um hospital que, mais uma vez, ainda não tem a obra adjudicada!

d) O Hospital de Sintra, cuja construção já terá iniciado e cujo prazo de conclusão está previsto para 2024, também tem uma verba de 22 milhões de euros em equipamentos prevista para 2022!

e) IPO de Coimbra, Centro Hospitalar de Gaia e Hospital de Setúbal apresentam desconformidades semelhantes às anteriores. Ao todo, há mais de 150 milhões de euros em construção hospitalar, no orçamento para 2022, que simplesmente não poderão ser executados, por impossibilidade física: ou então o Governo inventou uma nova forma mágica que permite construir hospitais inteiros em apenas alguns meses!

 

Se não há verba para muitas das medidas estruturais. Se as restantes que vêm sempre enunciadas nos orçamentos deste Governo nunca são executadas. Se a taxa de execução dos investimentos para este ano anda abaixo dos 20%. Se os valores prometidos para 2022 nem sequer poderão ser cumpridos. E se, em cima disto tudo, nem sequer há vontade de fazer o essencial: exclusividade para os profissionais, internalização das convenções com o privado, universalização do modelo USF, médico de família para um milhão de pessoas, rede de cuidados continuados universal... então porque devia este orçamento ser o nosso orçamento para 2022?

Bruno Maia
Sobre o/a autor(a)

Bruno Maia

Médico neurologista, ativista pela legalização da cannabis e da morte assistida
Termos relacionados: , Orçamento do Estado 2021