You are here

Um bom orçamento devia ter respostas para o SNS e o de 2022 não tem

O Governo tem dito e repetido que o Orçamento que propôs é um bom orçamento. A narrativa tem apenas um problema: é que tirando o Governo (e, claro, o PS) ninguém partilha da mesma. Na Saúde, a desilusão é geral. E não é para menos.

Depois de mais de um ano no combate à pandemia, de tantas palavras e palmas de reconhecimento, de tantos sacrifícios para proteger a população do vírus, os profissionais do SNS vão de mãos vazias. Nem revisões de carreira, nem melhoria das suas condições remuneratórias, nem incentivos para a exclusividade, nem estatuto de risco e penosidade. Nada.

Não é por acaso que técnicos de emergência pré-hospitalar, enfermeiros, farmacêuticos e médicos já fizeram ou marcaram greves e protestos. Certamente não é um movimento celebratório do Orçamento; é um movimento de quem sabe que o Governo do PS optou pela estagnação e por não responder minimamente aos problemas que afetam o SNS e a população.

Alguns exemplos concretos:

Há dois anos que aumenta o número de utentes sem médico de família, estando nesta situação mais de um milhão de pessoas

Há dois anos que aumenta o número de utentes sem médico de família, estando nesta situação mais de um milhão de pessoas. Os concursos para contratação de médicos de família não atraem e na região mais carenciada, Lisboa e Vale do Tejo, o último concurso teve mais de 50% das vagas por ocupar. Entenda-se: as vagas não ficam desertas por falta de médicos; esses médicos até são formados no SNS, só que recusam continuar com as condições de trabalho que lhes são oferecidas.

Esta situação não é exclusiva dos concursos para contratação de médicos de família. É também a realidade na contratação para especialidades hospitalares. Das 1073 vagas abertas no último concurso, apenas 697 foram ocupadas. Continuarão, por isso, os problemas crónicos em áreas como anestesiologia, obstetrícia ou oftalmologia.

Respostas para isto no Orçamento proposto pelo PS? Nenhuma.

No hospital de Setúbal mais de 80 diretores de departamento e chefes de serviço apresentaram a sua demissão por entenderem que não tinham condições para continuar. A falta de profissionais já levou à perda de idoneidade formativa em áreas como oncologia e oftalmologia; a falta de profissionais faz com que se apenas se consiga colocar em funcionamento duas das seis salas cirúrgicas. Isto dito pelo diretor clínico demissionário.

O hospital de Setúbal (como o de Leiria, o do Algarve ou do Braga) precisam de mais profissionais. O Egas Moniz, pertencente ao Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, faz muitas das suas cirurgias fora, em contratualizações feitas com privados, porque não tem anestesistas.

Respostas para isto no Orçamento proposto pelo PS? Nenhuma.

De facto, a única coisa proposta pelo PS é uma norma genérica sobre dedicação plena (na proposta do Estatuto o Governo nada prevê de incentivos, não impede a acumulação de funções no público e no privado e apenas prevê o aumento do horário de trabalho com consequente aumento de remuneração; ou seja, é um regime de aumento de horário de trabalho no SNS que por conveniência negocial o PS tentou pintar de outra coisa qualquer), uma suposta autonomia das instituições (que não permite o aumento do número de profissionais e apenas abre a porta a novas contratações temporárias) e um regime que incentiva o uso e abuso de horas extraordinárias de trabalho médico em urgências hospitalares, colocando a hipótese de se fazer mais de 500 horas extraordinárias (apesar de o limite legal ser de 150h).

Como pensa o Governo responder aos problemas do SNS com estas medidas?

Tentará atrair médicos vendendo-lhes essa maravilhosa perspetiva de fazer mais de 500h extraordinárias ou aplicando-lhes um regime de aumento do horário de trabalho sem incentivos concretos? Dirá às instituições que podem contratar desde que seja de forma temporária e desde que não gastem mais com profissionais?

Com isto o que se perspetiva são concursos crescentemente desertos e maior dificuldade em captar e reter profissionais no SNS.

Diz-se, para os lados da sede do Rato, que negociações não podem ser tudo ou nada. Então que saia o PS do nada em que se encontra, da estagnação a que se dedicou, do imobilismo que quer impor ao SNS.

Sobre o/a autor(a)

Doutorando na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto e investigador do trabalho através das plataformas digitais. Dirigente do Bloco de Esquerda
Termos relacionados Orçamento do Estado 2021
Comentários (1)