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Um monstro chamado Facebook

A desregulamentação económica permitiu o monopólio do Facebook que hoje ameaça a democracia. Nunca uma só empresa ou entidade concentrou tal poder de manipulação.

Na semana passada, as três principais redes sociais mundiais - o Facebook, o Instagram e o WhatsApp - paralisaram durante seis horas. Pouco importa as suas causas. A avaria mostrou ao Mundo o poder de uma empresa que, sozinha, domina o negócio das interações digitais. Nas poucas horas em que um terço da humanidade se desconectou das aplicações de Mark Zuckerberg, perderam-se 950 milhões de euros.

O apagão deu-se na altura em que o "Wall Street Journal" publica os Facebook Files, baseados em documentação interna da empresa, fornecida por uma ex-trabalhadora. Perante o Senado americano, Frances Haugen denunciou como o gigante da tecnologia coloca os lucros à frente de quaisquer preocupações sociais, éticas, ou democráticas.

O perfil predatório do Facebook, que levou a empresa a comprar os maiores competidores, fez de Zuckerberg o homem mais poderoso à face da terra. O escândalo da Cambridge Analytica mostrou como esse poder de acesso aos dados de milhões de pessoas foi exercido a favor de Trump nas eleições norte-americanas. Anos mais tarde, Zuckerberg decidiu simplesmente bloquear as contas do ex-presidente. Uma decisão discricionária para esconder o papel do próprio Facebook na organização da invasão do Capitólio que marcou a derrota do trumpismo.

Partir o monopólio e o seu algoritmo, acabar com o anonimato e regular a utilização das redes é o mínimo que a sociedade tem a fazer para se proteger

Quem o diz é Haugen, que testemunhou a forma como o Facebook virou as costas às medidas que poderiam ter tornado a aplicação menos nociva. "A empresa esconde informação vital do público, do Governo dos EUA e dos governos mundiais", disse. Segundo as suas denúncias, o Facebook não só falha em eliminar o discurso de ódio online, como desenhou o seu algoritmo para promover esse tipo de interações. Porquê? Porque é esse o seu modelo de negócio: "o Facebook faz mais dinheiro quando você consome mais conteúdo. As pessoas gostam de interagir com coisas que causam uma reação emocional. E quanto mais a raiva a que são expostas, mais elas interagem e consomem". Em nome de lucros astronómicos, a empresa ignorou os estudos que alertavam para o impacto do Instagram na saúde mental dos jovens, e para a utilização das redes sociais no incitamento ao ódio e até ao crime. "O resultado é mais divisão, mais dano, mais mentiras, mais ameaças... Em alguns casos, este discurso perigoso online levou a atos de violência que magoaram e até mataram pessoas".

Um desses casos ocorreu em Myanmar, onde a aplicação foi utilizada para espalhar uma notícia falsa sobre a violação de uma rapariga budista às mãos de muçulmanos. O resultado foi a chacina e perseguição da minoria muçulmana pelas forças de Estado. A ONU considerou o Facebook corresponsável pelo ataque que teve características de genocídio.

A desregulamentação económica permitiu o monopólio do Facebook que hoje ameaça a democracia. Nunca uma só empresa ou entidade concentrou tal poder de manipulação. Partir o monopólio e o seu algoritmo, acabar com o anonimato e regular a utilização das redes (como se de qualquer outro espaço público se tratasse) é o mínimo que a sociedade tem a fazer para se proteger. A má notícia é que nenhuma destas medidas está, neste momento, à vista.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 12 de outubro de 2021

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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