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Talvez a coisa seja mais complicada do que parece

Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto, pois parece que, nas eleições autárquicas, todos os que ganharam perderam e todos os que perderam ganharam alguma coisa. Resta saber se sabem o que fazer com as suas vitórias que são grandes derrotas e com os reveses que são pequenas vitórias.

Todos os partidos perderam nas eleições autárquicas. O PS perdeu Lisboa, um desastre surpreendente, além dos casos esperados de Coimbra e Funchal. O PSD perdeu em votos e ficou muito atrás do PS. O PCP perdeu câmaras, incluindo Loures, mas também cidades onde governava desde sempre. O Bloco perdeu vereadores, mesmo onde tinha tradição e força local. O Chega foi arrasado em Moura, onde o chefe ia ganhar, e não conta em Lisboa ou Porto.

Todos os partidos ganharam alguma coisa. O PS tem mais votos do que o PSD. O PCP aguentou Évora e Setúbal e continua a ser, de longe, o terceiro maior partido autárquico. O Chega tem 19 vereadores e já mobiliza um voto devoto. O Bloco manteve Lisboa e quebrou a malapata histórica no Porto, além do sucesso de Almada e da aliança em Oeiras.

Todos os partidos ficaram com problemas em mãos, ou até os agravaram. Costa usou o poder de fogo da bazuca para mobilizar os tiques cavaquistas que pensa que seduzem a população. Enganou-se, colonizou a campanha atropelando os seus próprios autarcas, a começar por Fernando Medina. O PSD viverá sempre a angústia da guerra civil interna. O Chega passa a ter mais 19 pessoas cujos atos serão escrutinados, um festim para os seus opositores, como já se viu nos Açores. O PCP sofre um desgaste social e, sobretudo, continua a não conseguir transformar a confiança autárquica em votos nas legislativas, ao passo que o Bloco continua a não conseguir transformar os votos nas legislativas em confiança autárquica e, em ambos os casos, parece que o destino se fechou.

Por isso, a forma como os partidos apresentam os seus resultados é tão indicadora do que aprenderam. A direção do PS, com um topete monumental, deixou Medina culpabilizar-se, para com esse estratagema desvalorizar a perda de Lisboa, o que o primeiro-ministro veio hoje reforçar (“a vontade dos lisboetas foi de mudar”). O governo continuará sem se mexer um milímetro e a remodelação não é para amanhã.

Rio festejou, tem motivos para isso. Mas mostrou que não lhe repugna a mimetização da extrema-direita, como com Suzana Garcia, se bem que esta candidata tenha sido a garantia de que o PS chegava à maioria absoluta na Amadora. Assim, fica ainda mais prisioneiro da geometria da convergência suicidária PSD-Chega: Rio precisa de uma aliança que envenena o seu campo eleitoral e o leva a perder em todos os tabuleiros.

O PCP nunca reconhece uma derrota e convém perceber porquê: a doutrina do partido dirigente da classe operária exclui a possibilidade de erro e, por isso, a culpa é sempre de circunstâncias alheias e inimigos vários, neste caso o confinamento (como se não tivesse afetado todos os autarcas) e a “campanha anticomunista” (como se a confrontação ideológica não atravessasse todos os azimutes). Portanto, ficará igual a si próprio.

O Bloco não tem essa cultura e admite a evidência da derrota, veremos se retira conclusões sobre como se situar nas futuras disputas locais.

Ou seja, para já ficou tudo na mesma. Efeitos imediatos destas vitórias e derrotas na vida política, não há. Rio continua, Chicão também, Ventura igual a si próprio, três maravilhosas notícias para o PS. Jerónimo de Sousa, na noite eleitoral, anunciou objetivos orçamentais, creches e aumento das pensões mais pobres, uma escolha cirúrgica de dois temas que já estarão apalavrados com o Governo, mostrando para quem tinha dúvidas qual vai ser o resultado da negociação. O primeiro-ministro sempre tomou isto como certo e não se engana. O que o leva a insistir no seu ponto mais fraco, a arrogância do poder. Por outras palavras, sem a sombra da direita, o PS continua a fazer tudo para ser o seu próprio adversário. E cá estamos, abriu a época do Orçamento.

Artigo publicado em expresso.pt a 28 de setembro de 2021

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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