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Total no Uganda: mentiras, repressão e cooperação militar

As pressões e intimidações contra os adversários tornam-se cada vez mais intensas, agora também dirigidas aos jornalistas internacionais que ali vão, tudo num contexto de militarização da zona petrolífera com o apoio... da França! Por Pauline Tetillon.
Foto publicada na página de Facebook da ONg Les Amis de La Terre.

Enquanto a Total continua o seu megaprojeto de petróleo no Uganda e na Tanzânia, a contestação está a crescer tanto local quanto internacionalmente. Como reflexo, as pressões e intimidações contra os adversários tornam-se cada vez mais intensas, agora também dirigidas aos jornalistas internacionais que ali vão, tudo num contexto de militarização da zona petrolífera com o apoio... da França!

A 11 de abril de 2021, Patrick Pouyanné, CEO da Total, visitou o Uganda pessoalmente para assinar três acordos importantes com os presidentes do Uganda e da Tanzânia relativos ao EACOP, o maior oleoduto aquecido do mundo para transportar o petróleo extraído nas margens do Lago Albert até o Oceano Índico. Descrevendo esses projetos como "importantes criadores de valor para o Uganda e a Tanzânia", e comprometendo-se a "implementar esses projetos de maneira exemplar e com total transparência"i, Patrick Pouyanné está determinado a negar as consequências catastróficas do projeto, ainda que amplamente documentadas.

Total sob a luz dos holofotes

Após uma campanha para promover os alegados benefícios do seu projeto de petróleo para o Uganda, apoiado pela Embaixada da França em Kampala (ver Billets d’Afriques n ° 302, novembro de 2020), a Total publicou, no início de março de 2021, documentos na sua página de internet para tentar evidenciar transparência na consideração dos impactos sociais e ambientais do projeto Em vão. Numa nota publicada a 12 de abril, a STOP EACOP Alliance, uma coligação apoiada por 260 ONG do Uganda e internacionais lançada no início de 2021, desmontou os argumentos da Total ponto por ponto, baseando-se em vários relatórios, estudos e testemunhos. A coligação lança luz sobre as afirmações falaciosas da Total, que fala de "10 locais" de poços no Parque Nacional de Murchison Falls, quando estão em causa 10 plataformas de perfuração e, pelo menos, 132 poços, ou mesmo anuncia a criação de 58.000 empregos, incluindo 11.000 empregos diretos, quando, em 2020, tinha anunciado à OXFAM 4.000 empregos diretos durante a fase de construção, e apenas 200 a 300 a longo prazo. Com base nesses argumentos, a aliança STOP EACOP lançou uma campanha para dissuadir os maiores bancos privados do mundo de participarem do financiamento ainda não concluído do projeto. Assim, como outros bancos internacionais, três dos maiores bancos franceses, BNP, Société Générale e Crédit Agricole, comprometeram-se publicamente a não acompanhar a Total (Les Echos, 21/04/21).

Prisões

A 25 de maio, durante uma reunião com as comunidades afetadas pelo projeto petrolífero, a jornalista italiana Federica Morsi e Maxwell Atuhura, um ativista de direitos humanos que trabalhava para a ONG ugandesa AFIEGOii, foram presos pelas autoridades locais. A jornalista italiana foi libertada durante o dia, depois de ser ameaçada e convidada a deixar a zona petrolífera. Maxwell foi detido de forma arbitrária e ilegal sob o pretexto de "reunião ilegal". Depois de ser ameaçado e questionado longamente sobre as suas atividades associadas a ONG internacionais, foi libertado sob fiança após mais de 48 horas. A mobilização para a sua libertação foi particularmente importante: desde a população local reunida em frente à esquadra, obrigando as autoridades a transferir Maxwell para outra localidade, a advogados ugandeses, através de ONG locais e internacionais, aos apelos lançados pelo observatório para a proteção dos defensores dos direitos humanos ou pelo relator especial das Nações Unidas para o meio ambiente e os direitos humanos. Até a Total, cuja Assembleia Geral foi realizada em Paris dois dias após a prisão, se sentiu compelida a reagir: Patrick Pouyanné declarou que escreveu uma carta ao presidente Museveni sobre o assunto. Na verdade, isto tornou-se um empecilho para a comunicação da Total que dificilmente conseguirá fazer acreditar que ignora ainda o caráter autoritário do seu parceiro neste projeto.

Militarização da zona petrolífera

As intimidações, ameaças e prisões contra oponentes do projeto petrolífero não são novas e só estão a aumentar. A criação de uma polícia do petróleo no início do projeto pelas autoridades do Uganda já indicava que não pretendiam deixar espaço para contestação. O que está agora em andamento é uma militarização crescente da área. De acordo com o Africa Intelligence (19/04), 600 militares foram posicionados na zona petrolífera “em apoio ao Comando das Forças Especiais nas mãos do filho do presidente, Muhoozi Kainerugaba, nomeadamente encarregado de proteger os blocos petrolíferos da Total e da Cnooc”. A sua presença é justificada pela existência no território de um grupo armado de rebeldes ugandeses com base na RDC [República Democrática do Congo], que pode ameaçar os assentamentos de Perolière. Somado a isso, novamente de acordo com a Africa Intelligence cia (24/05), 700 soldados das Forças de Defesa do Povo do Uganda, uma brigada "formada por soldados franceses da 27ª Brigada de Infantaria de Montanha, Unidade Alpina Francesa". Daí a fazer a ligação entre a cooperação militar desenvolvida nos últimos anos entre França e Uganda e a proteção das instalações da Total, é só um passo.


Pauline Tetillon, para a edição de junho de 2021 do jornal Billets d'Afrique, da associação Survie.
Tradução de Mariana Carneiro para o Esquerda.net

iiAFIEGO é uma das 4 ONG do Uganda envolvidas na ação legal movida em França contra a Total

(...)

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