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Os 29 governantes que passaram pela PT/Altice
Concentrar para privatizar. Em 1994, pela mão do governo de Cavaco Silva, produto da fusão das empresas Telecom Portugal, TLP, TDP e CPRM, a Portugal Telecom (PT) passou a ser a maior empresa de telecomunicações. Menos de um ano depois, já com o governo de António Guterres, são anunciadas as primeiras fases de privatização sob a promessa de que o “capital privado nacional” consagraria uma posição hegemónica na nova operadora. Logo nos dois primeiros anos, o grupo Espírito Santo assume um papel de destaque na estrutura acionista, ao qual se juntam a Lusomundo, os empresários Patrick Monteiro de Barros e Joe Berardo, assim como duas operadoras estrangeiras, a espanhola Telefónica e a mexicana Telmex.
Nos primeiros anos de privatização são muitos os ex-ministros e ex-secretários de Estado que assumem funções na estrutura de administração da PT. São os caso de António Couto dos Santos (Ministro da Educação, 1992-1993), que integra o Conselho Fiscal da PT e de Álvaro Amado (Secretário de Estado da Agricultura, 1991-1995), Eduardo Correia de Matos (Secretário de Estado dos Transportes Exteriores e Comunicações, 1987-1990), Henrique Medina Carreira (Ministro das Finanças, 1976 - 1978), José Salter Cid (Secretário de Estado da Segurança Social, 1994-1995) e Luís Todo Bom (Secretário de Estado da Indústria e Energia) que ocupam lugares no Conselho de Administração. Até ao início do século, o PS organiza o ciclo de privatização mas é o PSD que fornece os principais quadros à PT, garantindo o partido no governo, no entanto, posições determinantes, com António Vitorino (Ministro da Presidência, 1995-1997) e Vera Jardim (Ministro da Justiça, 1995-1999) a ocupar, respetivamente, a vice-presidência do Conselho de Administração e a presidência da Assembleia Geral.
Chegados a 2002 encerra-se o ciclo de privatização
Chegados a 2002, já com o novo governo de Durão Barroso em funções, encerra-se o ciclo de privatização, com a entrega da rede fixa pública à PT, um negócio avaliado em 365 milhões de euros. O Estado permanece na estrutura acionista (já dominada pelo BES e por Monteiro de Barros), mas apenas com o papel de acionista com direitos preferenciais (golden share). De imediato essa posição foi alvo de contestação por parte de acionistas privados e pelas próprias instituições europeias, que invocavam as regras de livre concorrência. Tal posição viria a ser decisiva na intensa disputa entre capitais nacionais e estrangeiros, como relatam Mariana Mortágua e Jorge Costa (Privataria, Bertrand, 2015: 47):
No ano seguinte, 2006, a Sonae lança sobre a PT uma oferta pública de aquisição, hostil, que entra na história da economia portuguesa. De um lado, Belmiro e Paulo de Azevedo, com o projeto de fundir a Optimus e a TMN e, mais importante, vender a Vivo. Do outro lado, o presidente executivo da PT, Miguel Horta e Costa, depois substituído por Henrique Granadeiro, e o administrador financeiro, Zeinal Bava, todos rejeitam a oferta de 11 mil milhões de euros (9,5 euros por ação) argumentando que esta subavaliava a empresa (cada ação da PT estava cotada acima dos 10 euros) e opondo-se à fusão entre a TMN e a Optimus, de Belmiro. O braço de ferro duraria mais de um ano, com custos para ambos os lados. No processo, a Sonae passaria de preferida a preterida na opinião pública portuguesa.
Em fevereiro de 2007, a Sonae aumenta a oferta sobre a PT para 11,8 mil milhões de euros (mais dez cêntimos por ação). Pela mesma altura, a Telefónica apoia a OPA, revelando um incómodo acordo com Belmiro para a venda aos espanhóis da Vivo brasileira. Também vários bancos reforçaram a sua posição, depois do anúncio da OPA, para realizar mais-valias: Santander, Crédit Suisse, Barclays, UBS, entre outros. Assumidamente contra estavam, à cabeça, o BES, a Ongoing e Joe Berardo. A associação de acionistas minoritários da PT era então representada pelo mesmo advogado (e deputado do PSD) Jorge Neto, que representava a Ongoing nas assembleias da PT.
É pela mão do governo que a OPA fracassa, no início de 2007. Armando Vara, representando a Caixa Geral de Depósitos, vota contra Belmiro; o advogado Sérvulo Correia, em nome do Estado, mantém reserva sobre o voto. Juntos, são 7% do capital, um peso sobretudo político. Belmiro acusa: «tristemente, a vitória é a dos bloqueadores do progresso de uma instituição que tem uma longa história de relações especiais com quase todos os governos» (Público, 20.03.2007). Fechada a OPA, a administração promete valorização bolsista e mais dividendos. O ministro da tutela, Mário Lino, celebra abertamente: «o governo fez um bom trabalho. Fiquei satisfeito com a forma como decorreu todo o processo e como acabou» (Diário Económico, 03.05.2007). Belmiro fechou o episódio: «temos de aceitar a derrota. Fomos hoje derrotados. Mas no próximo domingo volta-se a jogar» (Diário Económico, 06.12.2014).
Este conturbado processo não viria a travar a continuação do fluxo entre os gabinetes ministeriais e os salões do poder económico da PT. Pelo contrário, na primeira década do século, passam a desempenhar funções de topo na PT: Álvaro Amado (Secretário de Estado da Agricultura, 1991-1995), Armando Vara (Ministro da Administração Interna, 1997-2000), Ernâni Lopes (Ministro das Finanças e do Plano, 1983-1985), Miguel Horta e Costa (Secretário de Estado do Comércio Externo, 1987-1990), Luís de Macedo (Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, 1992-1995), Francisco Esteves de Carvalho (Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças, 2003-2004), Franquelim Alves (Secretário de Estado adjunto do Ministro da Economia, 2003 -2004) e Henrique Chaves (Secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro).
Venda da participação da PT na VIVO
A segunda década do século começa com a venda da participação da PT na VIVO, empresa brasileira de telecomunicações, fruto da pressão do grupo Espírito Santo (já sob grandes dificuldades financeiras). Um negócio que se veio a revelar ruinoso para a operadora portuguesa, uma vez que correspondeu à compra de uma participação na operadora brasileira Oi. Logo após, no auge da crise, em 2011, a primeira medida tomada pelo novo governo PSD-CDS passou pela venda da golden share do Estado na empresa. A ausência do Estado faz com que o grupo BES garantisse uma preponderância acrescida na PT, renomeada comercialmente como MEO, mobilizando o capital da operadora para cobrir os prejuízos do seu ramo não financeiro, acumulando até 897 milhões de euros em perdas, revelados com a falência do grupo BES em 2014. É neste período que José Lamego (Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, 1995-1997) passa a integrar o Conselho Consultivo da empresa e Dalila Araújo (Secretária de Estado da Administração Interna, 2009-2011) assume funções como assessora do Conselho de Administração, onde ficaria até ser proposta pelo governo de António Costa para vogal da ANACOM em 2017, uma indicação que seria depois chumbada pelo parlamento.
2014: desclabro financeiro, OI anuncia fusão com a PT e venda do grupo à Altice
Em 2014, em meio ao descalabro financeiro, a Oi anuncia a sua fusão com a PT e a venda do grupo à francesa Altice (um fundo de investimento com sede no Luxemburgo), que se concretiza em janeiro de 2015. Os novos proprietários cedo desencadearam uma operação de desmonte do grupo, anunciando uma forte redução do número de trabalhadores. A administração da Altice socorreu-se das mais variadas estratégias para reduzir a sua força de trabalho, desde um plano de rescisões amigáveis, realocação em outras empresas do grupo e retirada de funções aos trabalhadores, o que originou quase uma centena de autos por parte da ACT. Mas o grosso da reestruturação passaria por outras medidas. Em maio de 2017, a administração anuncia a intenção de reivindicar o estatuto de empresa em reestruturação e assim impor um plano de três mil rescisões (suportadas em parte pelo Estado, via Segurança Social), o que viria a ser recusado pelo governo.
Perante o impasse, a administração da Altice recorre à chamada “Lei da transmissão de estabelecimento”, operando uma redistribuição dos trabalhadores por outras empresas do grupo, para assim facilitar o seu despedimento. Esta ação por parte da administração da Altice resultou numa forte reação. Em julho de 2017, os oito sindicatos presentes no universo do grupo convocaram uma greve geral contra os planos da empresa, reivindicando uma alteração à lei. Alteração essa que viria de facto a ser concretizada.
Em janeiro de 2018, PS, Bloco de Esquerda e PCP apresentaram no parlamento uma proposta conjunta para a “alteração ao regime de transmissão de empresa ou de estabelecimento”. Na essência, a medida aprovada pontuou cinco alterações relevantes: (i) clarificação do conceito de unidade económica (autonomia organizativa); (ii) dever de informação aos trabalhadores, governo e entidades representativas (sindicatos); (iii) direito de oposição do trabalhador (manutenção do vínculo do trabalhador na empresa onde ele estava e o seu direito a todas as compensações devidas face à transmissão do estabelecimento); (iv) participação das entidades estatais no processo; (v) o alargamento do quadro de contraordenações e a sua gravidade.
É neste período que a Altice coopta João Proença, ex-secretário-geral da UGT e quadro do Partido Socialista, para integrar o “conselho de relações laborais da Altice”, um órgão consultivo que chancela os diversos planos de despedimento que são anunciados. Ao mesmo tempo, os novos patrões anunciam a venda da rede de torres de comunicação por 660 milhões de euros ao consórcio da Morgan Stanley Infrastructure Partners e da Horizon Equity Partnee. Esta última constituída em 2017, tendo como administradores Sérgio Monteiro (Secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações, 2011-2015) e António Pires de Lima (Ministro da Economia, 2013-2015).
Um processo que se revelou determinante para a captura do grupo numa lógica de dilapidação financeira, com resultados visíveis ao nível das práticas laborais adotadas ao longo dos anos
Ainda antes da crise pandémica e financeira, com lucros de 832 milhões de euros em 2019, os administradores da Altice continuaram a sua estratégia de rapina económica, intensificando o processo de outsourcing e de precarização dos vínculos com os trabalhadores. Com a chegada da pandemia, o grupo liderado por Patrick Drahi não deixou de aproveitar os apoios extraordinários do Estado, como foi o caso do recurso ao lay-off, sem se desviar do plano de despedimentos que conhece agora um novo capítulo, com a ameaça de destruição de mais 700 postos de trabalho. Um processo que faz parte de uma estratégia de valorização bolsista com vista ao encaixe de milhões numa venda futura.
Neste quadro de pilhagem económica, a intensidade e perenidade das ligações estabelecidas entre a administração da PT e ex-governantes revelam, para além de um padrão na escolha dos corpos dirigentes, um dos mais expressivos casos de portas-giratórias entre o poder político e o poder económico. Um processo que se revelou determinante para a captura do grupo numa lógica de dilapidação financeira, com resultados visíveis ao nível das práticas laborais adotadas ao longo dos anos.
Quadro n.º 20: Relação dos ex-governantes que desempenharam cargos na PT/MEO (1976 – 2021).
Nome (partido) |
Cargo Público |
Período |
Cargo PT/MEO |
Período |
Almerindo da Silva Marques (PS) |
Secretário de Estado da Administração Escolar. |
1976 – 1978 |
Conselho de Administração |
1999 – 2000 |
Álvaro Amado (PSD) |
Secretário de Estado da Agricultura |
1991 – 1995
|
Conselho de Administração |
2003 – 2006 |
Álvaro Pinto Correia (PS) |
Secretário de Estado da Habitação e Urbanismo |
1976 – 1977
|
Comissão de Vencimentos |
2007 – 2010
|
António Couto dos Santos (PSD) |
Ministro da Educação (PSD) |
1992 – 1993 |
Conselho Fiscal |
1996 – 2004 |
António Vitorino (PS) |
Ministro da Presidência e da Defesa |
1995 – 1997 |
Vice-presidente |
1998 – 1999 |
Armando Vara (PS) |
Secretário de Estado; Ministro da Administração Interna |
1997 – 2000 |
Conselho de Administração |
2005 – 2007 |
Carlos Oliveira Cruz (PS) |
Secretário de Estado da Coordenação Económica |
1976 – 1977 |
Comissão de Vencimentos |
2002 – 2005 |
Dalila Araújo (PS) |
Secretária de Estado da Administração Interna |
2009 – 2011 |
Assessora do Conselho de Administração |
2011 – presente |
Domingos Manuel Jerónimo (PSD) |
Subsecretário adjunto do Ministro dos Negócios Estrangeiros |
1992 – 1995 |
Consultor |
1995 – 1996 |
Eduardo Correia de Matos (PSD) |
Secretário de Estado dos Transportes Exteriores e Comunicações |
1987 – 1990 |
Conselho de Administração |
1996 – 2002 |
Eduardo Pedroso (PS) |
Secretário de Estado do Tesouro; Secretário de Estado dos Transportes |
1977 – 1978 |
Conselho de Administração |
1998 – sd. |
Ernâni Lopes (PSD) |
Ministro das Finanças e do Plano |
1983 – 1985 |
Conselho de Administração |
2003 – 2005 |
Francisco Esteves de Carvalho (PSD) |
Secretário de Estado do Tesouro e das Finanças |
2003 – 2004 |
Comissão de Vencimentos |
2008 – 2010 |
Francisco Murteira Nabo (PS) |
Ministro do Equipamento Social |
1995 – 1995 |
Presidente do Conselho de Administração |
1996 – 2003 |
Fraquelim Alves (PSD) |
Secretário de Estado adjunto do Ministro da Economia |
2003 – 2004 |
Conselho de Administração |
2005 – 2008 |
Henrique Chaves (PSD) |
Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro |
2003 – 2004 |
Conselho de Administração |
2006 – 2007 |
Henrique Medina Carreira (PSD) |
Ministro das Finanças |
1976 – 1978 |
Conselho de Administração |
1997 – 1999 |
Jaime Gama (PS) |
Ministro dos Negócios Estrangeiros |
1995 – 2001 |
Conselho de Administração |
sd. – 2005 |
José Xavier de Bastos (Independente) |
Secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros |
1978 – 1979 |
Conselho de Administração |
2007 – 2009 |
José Lamego (PS) |
Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação |
1995 – 1997 |
Conselho Consultivo |
2010 – 2013 |
José Briosa e Gala (PSD) |
Secretário de Estado da Cooperação |
1992 – 1995 |
Diretoria |
1998 – 2006 |
José Salter Cid (PSD) |
Secretário de Estado da Segurança Social |
1994 – 1995 |
Conselho de Administração |
1997 – 2007 |
Luís de Macedo (PSD) |
Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas |
1992 – 1995 |
Presidente da Assembleia Geral |
2002 – 2007 |
Luís Todo Bom (PSD) |
Secretário de Estado da Indústria e Energia |
1985 – 1987 |
Presidente do Conselho de Administração |
1992 – 1996 |
Manuel de Lencastre (PSD) |
Secretário de Estado do Desenvolvimento Económico |
2004 – 2005 |
Diretor |
1998 – 1999 |
Miguel Horta e Costa (PSD) |
Secretário de Estado do Comércio Externo |
1987 – 1990 |
Presidente do Conselho de Administração |
2002 – 2006 |
Pedro Santos Coelho (PS) |
Secretário de Estado das Pescas |
1976 – 1978 |
Conselho de Administração |
2000 – 2002 |
Vera Jardim (PS) |
Ministro da Justiça |
1995 – 1999 |
Presidente da Assembleia Geral |
2000 – 2000 |
Vítor Constâncio (PS) |
Ministro das Finanças |
1978 -1978 |
Conselho de Administração |
1995 – 1999 |
Fonte: Base de dados elaborada para Os Burgueses (2014).
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