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“Decisão do despedimento colectivo é inqualificável”

“Essa é a pergunta para um milhão de dólares cuja resposta estará a viajar entre Lisboa e Amesterdão, esse paraíso fiscal onde a Altice tem a sede”, é a resposta de Rui Moreira, membro da Comissão de Trabalhadores da MEO/Altice, à pergunta sobre as razões da empresa para querer fazer um despedimento coletivo neste momento.
Sobre a greve de julho, espera que seja “um sinal inequívoco, para dentro e para fora” e aponta: “Não é tempo de negociar, é tempo de cerrar os dentes”.
Sobre a notícia de que a Altice se está a preparar para vender a empresa, Rui Moreira refere que não foi surpresa, mas não acredita “que queiram desfazer-se de algumas ‘pérolas’ do grupo” e pensa que “terão uma proposta ‘chave na mão’”.
Rui Moreira alerta que “um Governo responsável não pode permitir-se” a um despedimento de milhares de trabalhadores, nem intervir “só depois de começar tudo a arder”, como na TAP, Groundforce ou Efacec.
Porque achas que a Altice quer fazer um despedimento coletivo neste momento?
não há necessidade de provocar este terramoto e colocar em causa o futuro de tanta gente: gente que trabalha nesta empresa há 10, 20 e 30 anos
Essa é a pergunta para um milhão de dólares cuja resposta estará a viajar entre Lisboa e Amesterdão, esse paraíso fiscal onde a Altice tem a sede. Do ponto de vista da operação em Portugal, com tudo o que se conhece e é divulgado pela empresa, não há necessidade de provocar este terramoto e colocar em causa o futuro de tanta gente: gente que trabalha nesta empresa há 10, 20 e 30 anos, gente que - ficando desempregada - terá uma dificuldade tremenda em voltar ao mercado de trabalho, em viver com dignidade, gente com muito conhecimento acumulado e que é útil todos os dias para a empresa crescer e servir os clientes, gente que não merece o que lhes está a ser feito, porque lhes andam a dizer, até à náusea, que são como família!
Repara: os números e a retórica da Altice não justificam uma decisão destas, só pode ser um premeditado acto de gestão ainda mais grave e complexo à luz do desconhecimento geral, neste momento. Aliás, a fusão recente - informação que saiu na comunicação social por estes dias - da incorporação na MEO de quatro outras sociedades do grupo (PT Móveis, Portugal Telecom Imobiliária, PT Cloud e Data Centers e a M.Call) traz “água no bico” e deixa antever alguma outra operação cujos contornos ainda não conhecemos e quiçá só mais lá para a frente é que iremos perceber a consequência dos tão badalados “actos de gestão”. A verdade é que a Altice mudou radicalmente a herança da ex-PT: do anterior império, de que não restam muitas saudades, nomeadamente dos seus gestores, já praticamente não sobra nada, mas por si só isso não é necessariamente bom.
O que pensam a CT e os trabalhadores desta situação?
no mesmo dia em que muitos trabalhadores recebiam cartas de despedimento foi noticiado que a Altice estava a integrar 1100 pessoas para outra empresa do grupo, a Intelcia. O que não se disse é que nessa empresa trabalham pessoas com contrato a termo, ou seja, precários
Penso que terá de existir total confiança nos advogados e economistas que trabalham com os sindicatos, sejam Independentes, da UGT ou da CGTP - infelizmente têm muito conhecimento acumulado em situações idênticas - e como se ofereceram para trabalhar a parte técnica, acredito que com as informações que serão entregues à CT, esta fará bem o seu papel de porta-voz. Este diálogo levará a que a CT tudo possa fazer para parar este abuso, que use todos os meios legais, todas as ferramentas de pressão que tiver ao dispor e alcance. Em conjunto com todos os que estiverem com o mesmo espírito, sem tomar parte de um lado ou de outro, ser independente, sem “clubite” e apenas com foco no interesse colectivo. Claro que o dossier com 151 páginas que fundamenta o despedimento colectivo tem informação muito técnica e complexa (e não será por acaso) mas até pelo que li, e não é a minha especialidade, acredito que existam muitos lapsos que serão explorados, nem que seja em tribunal. Em relação aos trabalhadores, há uma tristeza enorme. Eu vi-os a chorar, sentem-se naturalmente injustiçados, e com razão, até porque muitos deles se viram confrontados com uma notícia que saiu no mesmo dia em que recebiam as cartas de despedimento - e isto é arrepiante - notícia essa que dizia que a Altice estava a integrar 1.100 pessoas para uma outra empresa do grupo, a Intelcia. O que não disse é que nessa empresa trabalham pessoas com contrato a termo, ou seja, precários, e que essa empresa presta serviços para o grupo, exactamente no mesmo tipo de funções.
As informações que recolhi é que muitos dos dispensados estão - ou vão ser - substituídos nas suas funções por estes que entram agora. Não havendo evidências, à data, que essa substituição esteja a acontecer, é no mínimo deselegante os trabalhadores excluídos confrontarem-se com essa realidade. E há um elemento particularmente revelador: os trabalhadores transmitidos, que até tem na sua posse uma sentença transitada em julgado que obriga à reintegração, também eles não foram poupados a este terrível “acto de gestão”. Por tudo o que já disse atrás, da saúde financeira à existência de muito trabalho, é inqualificável esta decisão do despedimento colectivo.
Dia 21 haverá greve contra o despedimento coletivo, o que esperar dessa luta e o que fazer a seguir?
espero que a greve de 21 seja um sinal inequívoco, para dentro e para fora. Não é tempo de negociar, é tempo de cerrar os dentes
Um só despedido será uma derrota, por isso espero que ninguém se acanhe porque isto é mesmo uma ofensiva que pode terminar em tragédia. Se a Altice passar indolor por este episódio, sendo um farol para outras multinacionais fazerem o mesmo - afinal, a transmissão de estabelecimento, em 2017, esteve para ser isso mesmo - podemos estar a assistir à transformação radical do tecido empresarial português, com recurso quase exclusivo a empresas de trabalho temporário, cheias de trabalhadores com vencimentos horríveis e sem protecção laboral, com proximidade nula às organizações que representam trabalhadores (que devido às dificuldades de entrada nestas “novas” empresas, não conseguirão sobreviver), sem voz nem comando, abandonados às “sortes” das “altices da vida”. A greve de 21 será apenas mais uma fase do processo de combate e resistência que temos todos de fazer, espero que seja um sinal inequívoco, para dentro e para fora. Não é tempo de negociar, é tempo de cerrar os dentes.
Como é que os trabalhadores receberam a notícia de que a Altice se está a preparar para vender a empresa?
penso que um Governo responsável não pode permitir-se a acontecer nenhum destes cenários
Nas conversas de corredor há muito que se fala sobre isso, quase desde a entrada da Altice pelas Picoas que se ouvem “zum-zuns”, mas mais do que a “rádio-alcatifa” e a acreditar em informações que parecem credíveis, com dados muito pormenorizados divulgados pelos meios de comunicação social nacionais e internacionais - há coisas que não se inventam - de circuitos próximos dos donos da Altice (alegadamente, a administração, em Portugal, receberá ordens e terá prazos de execução), acho que ninguém estará surpreendido.
Francamente, acho que não apanhou ninguém de surpresa mas não acredito que queiram desfazer-se de algumas “pérolas” do grupo e que terão uma proposta “chave na mão”, com pré-requisitos, salvaguardando interesses futuros e agarrando o próximo proprietário a contratos leoninos. Esta coincidência, alegada coincidência de “actos de gestão”, também não será inocente. A “imagem” para o exterior, algo muito caro a esta administração, sofreu um golpe fatal com esta decisão, alguma coisa precipitou o processo. O que terá sido? Estou convencido que esta intenção de despedir pessoas arrumou de vez com a já parca credibilidade da empresa, dentro e fora de portas, já tive oportunidade de lhes dizer que foi a machadada final, acho que gastaram todas as fichas. Mas a venda da MEO SA (onde estão a maior parte dos trabalhadores) não será necessariamente má se isso implicar a saída da actual administração.
Muitos anteciparam este hipotético cenário, os sindicatos fartaram-se de avisar , e agora está à vista de todos o que motiva estes acionistas. Há uma descapitalização da empresa a vários níveis, desde o início, são inúmeras as notícias e informações, ora de investimentos duvidosos no limite da má gestão, favorecimentos e interesses por exemplo na área do imobiliário - é o próprio Ministério Público que o afirma, não sou eu - enfim, são tudo dados que não prestigiam a empresa e os trabalhadores desmoralizam, claro. Acho que os trabalhadores estão aterrados, assustados e temem o pior se o Governo continuar a fazer de morto e se o ministro Pedro Nuno Santos não ganhar consciência que tem de intervir a tempo, porque só há duas formas do Governo olhar para isto: ou vamos pagar as prestações sociais a milhares de desempregados de uma empresa que factura milhões (e há outros sectores a fazer o mesmo) ou só depois de começar tudo a arder é que se faz uma intervenção parecida com a da TAP, Groundforce ou Efacec? Eu penso que um Governo responsável não pode permitir-se a acontecer nenhum destes cenários.
Entrevista realizada por Carlos Santos
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