You are here

A dura realidade de uma classe sem profissão

Na passada segunda-feira, investigadores científicos tornaram a manifestar-se contra a inação do ministro Manuel Heitor. Em causa está a prometida mas não cumprida medida de prorrogar todas as bolsas de investigação durante o período de confinamento.

Em março de 2020, o primeiro confinamento geral fechou universidades, centros de investigação e bibliotecas. Os investigadores viram-se obrigados a um intervalo nos seus projetos. Teses de doutoramento paradas, trabalho de campo impedido, acesso interdito a bibliotecas e arquivos. A essa interdição administrativa – com consequências muito reais – o Governo respondeu com a prorrogação das bolsas desses investigadores. A decisão chegou tarde e deixou para trás os contratos a prazo, ficou longe de resolver todos os problemas, mas ajudou a minorá-los.

Já em janeiro deste ano – quando novo confinamento era uma possibilidade palpável – o ministro garantiu na Assembleia da República que aplicaria os mesmos apoios que havia aprovado em 2020. Entrámos e saímos desse confinamento e a prorrogação das bolsas parecia mais confinada do que a própria investigação. Em abril, quando a ABIC saiu à rua para reivindicar o óbvio, o Ministro prometeu de novo que o faria. Um mês depois, já em maio, voltou ao Parlamento para anunciar a tão prometida medida. É dia 17 de junho e continuamos a ter milhares de investigadores com a sua vida a prazo. Sem qualquer tipo de garantia de poderem terminar a sua investigação a tempo do término da bolsa e da respetiva avaliação.

Como é que se pode confiar para desenhar políticas públicas a médio e longo prazo em quem não consegue (ou não quer) resolver os problemas fáceis e de curto prazo? Há mais de duas décadas que o modelo de crescimento do sistema científico se baseia em relações altamente precárias entre o Estado e as Universidades, por um lado, e os investigadores por outro.

É perverso manter uma prática laboral junto da geração e da classe profissional mais preparada que a impede de aceder a uma carreira. Uma carreira com direitos laborais e sociais, estabilidade e uma remuneração condigna. A precariedade que assola o sistema científico não é uma inevitabilidade. É produto de uma visão pequenina para a Ciência, quase pré-moderna onde o investigador é um curioso que descobre a cura de uma doença por hobbie.

Pensávamos que este seria o momento de apostar a sério na Ciência, seria esse o caminho para sanar esta brutal crise sanitária. Infelizmente, quem tem o poder nas mãos, mantém tudo na mesma. Estes investigadores continuam a ser carne para canhão. Servem para tudo: para anúncios governamentais, prémios internacionais que promovem o nome das nossas instituições académicas pelo mundo e imagens de fundo em conferências internacionais. Só não servem para serem respeitados enquanto trabalhadores, com a dignidade social e laboral.

Artigo publicado no jornal “I” a 17 de junho de 2021

Sobre o/a autor(a)

Deputada e dirigente do Bloco de Esquerda, licenciada em relações internacionais.
(...)