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A lista de Boris

Não deixa de ser irónico que enquanto o país ainda debate a moralidade dos critérios que levaram a cidade do Porto a ser barriga de aluguer de uma festa covid na final da Liga dos Campeões, o Governo britânico decida retirar Portugal da lista verde dos países seguros para viajar.

Era verde mas foi-se. Não deixa de ser irónico que enquanto o país ainda debate a moralidade dos critérios que levaram a cidade do Porto a ser barriga de aluguer de uma festa covid na final da Liga dos Campeões (com dezenas de milhares de ingleses embriagados, sem distanciamento e sem máscara, a desrespeitarem as regras que são exigidas - sem excepção - aos portugueses), o Governo britânico decida retirar Portugal da lista verde dos países seguros para viajar.

Do verde para o amarelo, a cor instala-se no luso sorriso e no fracasso da nossa diplomacia. 7 de Maio, lista verde. 29 de Maio, final da Champions. 5 dias depois, lista amarela. "Very british", o chá dos 5.

Sendo uma notícia devastadora para o turismo português, é também um ponto de falência para Augusto Santos Silva, ministro dos Negócios Estrangeiros, que assegura não alcançar a lógica da decisão. Mas a lógica é bem racional e obedece aos mesmos critérios que levaram a que a UEFA não quisesse a final da Liga dos Campeões em Inglaterra (como seria mais do que evidente, estando duas equipas inglesas na final da competição). Em Inglaterra, as regras seriam bem mais apertadas e o grau de exigência sanitário não se compadeceria com excepções. A bolha rebentou nas nossas mãos e agora os britânicos fazem o que entendem que deve ser feito.

Os paladinos da reabertura imediata da economia, dos festejos colectivos dos santos populares, da libertação das máscaras e os demais parentes negacionistas podem ter tido aqui o seu momento de Brexit interno. É que nunca é tarde para aprender a lição: a economia portuguesa e o turismo (do qual tanto depende) só poderão relançar-se com controlo pandémico e sentimento de segurança. A liberdade do "cada um por si" para relançar a economia só terá como efeito final o retrocesso, o descontrolo da transmissão, o regresso dos encerramentos, o recuo no fluxo do turismo.

Não podemos, simultaneamente, criticar o que aconteceu na festa do Sporting em Lisboa e na Liga dos Campeões no Porto e pensarmos que, à luz desses maus exemplos, podemos permitir-nos - numa espécie de sentimento de vingança ou ajuste de contas - fazer festas populares, arraiais liberais, correndo riscos desnecessários, nomeadamente o risco de deitar tudo a perder. Meses a fio, em nome de uma ideia de bem comum. Pediram-se sacrifícios terríveis às pessoas, à economia e à comunidade. Subtraímos famílias aos seus entes queridos em cerimónias fúnebres, impedimos familiares de se aproximarem no Natal, evitámos os beijos, trocámos os abraços por toques toscos, retirámos as crianças das escolas. Agora, na recta final da maratona, há quem pretenda festejar o São João e o Santo António em ajuntamentos populares, sem testes e com máscaras avulso, sem imunidade de grupo. Nem que seja pelo risco, respeito pelas dúvidas. Respeito pelas centenas de pessoas que viram morrer e padecer. Se um negacionista contrai covid não nasce uma anedota, surge mais um problema. "Five o"clock tea, please".

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 4 de junho de 2021

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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