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As saudades que a Direita tem

Há uma fragrância a obituário nos derradeiros momentos do MEL, congresso no qual - apesar da omissão do convite ao "Ergue-te" (ex-PNR) - desfilaram as várias tendências da direita e da extrema-direita portuguesa.

No momento em que o líder do Chega entra na sala, acompanhado do seu séquito, teciam-se elogios ao fundador do CDS Francisco Lucas Pires. O alarido obrigou à interrupção do painel. Na primeira fila, Ventura senta-se ao lado de Pedro Passos Coelho e espera pelo seu momento, como bom delfim do ex-primeiro-ministro. A candidatura autárquica a Loures ainda a pairar na memória colectiva como rampa de lançamento político de Ventura, debaixo das saias de um PSD já na altura suficientemente desinteressado de valores para albergar e manter o candidato, após declarações racistas proferidas em plena campanha.

No MEL, Pedro Passos Coelho tenta manter-se sereno, sem grandes manifestações ou aplausos, não fosse ele o génio da lâmpada, o D. Sebastião esvoaçante, deus por todos desejado, saltimbanco de um lugar de sala anónimo para a primeira fila da convenção quando Ventura e Rio tomaram o palco. Patrono. Se os líderes da direita falavam, haviam de falar para si. A presença significava. A sua imagem era a leitura paternal do futuro. O que depois se disse sobre o fundador do CDS já poucos devem ter ouvido. A seguir, o líder da extrema-direita portuguesa subia ao púlpito para receber ainda maiores aplausos do que quando irrompeu pela sala, interrompendo a evocação a Lucas Pires.

Nenhum líder partidário se ouviu um ao outro. Coube a Rui Rio encerrar o congresso e assumir que a piada estava feita: "o PSD não é um partido de Direita", assegurou. Um teste ao sangue-frio dos presentes. Ventura já não estava lá para se encher de razão e capitalizar o sentimento de revolta que deve ter trespassado todas aquelas almas que, no dia anterior, aplaudiram o branqueamento do Estado Novo à volta dos seus maravilhosos índices económicos e da sua luta contra o analfabetismo (pasme-se!). Os mesmos que olharam a historiadora Fátima Bonifácio como alento de alma, ao decidir finalizar a sua intervenção citando Fernando Pessoa para tecer elogios a Salazar. A saudade, esse sentimento Franco-atirador, irresistível. Francisco Rodrigues dos Santos entra e sai anónimo. A Iniciativa Liberal faz o que tem a fazer, apresentando-se a jogo no seu tabuleiro (quem não se recorda do partido que, após eleger um deputado, se dizia ao centro do espectro político, nem de esquerda nem de direita, fazendo aquela rábula memorável de se querer sentar a meio do Parlamento?).

Tempos houve em que a Esquerda portuguesa se digladiava num saco de gatos. Mas nada bate o desespero da Direita sem vislumbre de poder durante uns anos. A Direita já nem tem saudades de si, só tem saudades de outros tempos. Se é esta Direita que se apresenta ao país, é mesmo bom que Rui Rio fuja para uma terra de ninguém. A insondável equação é porque dela se afasta sendo, simultaneamente, o seu maior promotor. No acto final, Passos Coelho acompanha Rui Rio à porta de saída, mas volta para trás por se ter esquecido de um papel com contactos. Se público houvesse na sala, teria sido tremendamente aplaudido.

Artigo publicado no “Jornal de Notícias” a 28 de maio de 2021

Sobre o/a autor(a)

Músico e jurista. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990.
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