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A brutalidade em Israel

É mais simples atribuir as culpas a um rocket qualquer do que reconhecer a conivência com o genocídio em curso. Israel quer tornar impossível a existência da Palestina e o mundo lava as mãos como Pilatos.

Uma “discriminação sistemática” diz um grupo de especialistas europeus, um apartheid dizem a Human Rights Watch e a organização não governamental israelita B'Tselem. A crítica é à forma como Israel trata os palestinianos ou os árabes israelitas. Leis para judeus e leis para árabes, uns são os cidadãos de primeira e os outros nem se percebe se a lei os classifica como cidadãos. Leis que se impõem pela força porque lhes falta a razão. Leis fora da lei internacional e do cumprimento dos direitos humanos. Leis que são um sistema de injustiça.

É este o início da história. Não se deixe enganar pela narrativa do rocket que o Hamas atirou e que justifica a brutalidade israelita. Nem pela ideia da culpa que deve ser distribuída pelos lados beligerantes. Essa é a patranha dos que agora apelam à paz quando têm fechado os olhos à guerra, dos que exigem respeito pelos direitos humanos mas são coniventes com o permanente desrespeito pelos acordos internacionais e pelo perpetrar de crimes de guerra. Lágrimas de crocodilo.

Concentração de apoio ao Povo da Palestina, Lisboa, 17 de maio 17h30, ponto de encontro em frente à sede do Bloco de Esquerda na Rua da Palma

Concentração de apoio ao Povo da Palestina, Lisboa, 17 de maio 17h30, ponto de encontro em frente à sede do Bloco de Esquerda na Rua da Palma

Há uma violência estrutural na forma como Israel lida com os palestinianos, em particular em Jerusalém. Em território ocupado - o que significa que a ONU não reconhece como legítima a anexação que Israel fez desta área - a discriminação é geral: demolições de casas, revogação arbitrária de autorizações de residência, encerramento de instituições ligadas à Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Há uma lei particularmente injusta, reservada apenas a judeus, que permite reivindicar habitações ou terrenos com base em supostos direitos de propriedade do século XIX. A chamada Lei de Ausência é usada para despejar famílias palestinianas em favor dos direitos, muitas vezes forjados, da comunidade judaica ortodoxa.

A faísca dos acontecimentos recentes foi a notícia de despejo de famílias palestinianas do bairro de Sheikh Jarrah, em Jerusalém Oriental. A Lei da Ausência servia outra vez para despejar famílias palestinianas sem que tivessem qualquer possibilidade legal para se defenderem. Uma manifestação formou-se para exigir justiça e rejeitar uma lei injusta e foi violentamente reprimida pela polícia israelita. E tudo entrou em ebulição.

A Lista Árabe Unida, que reúne partidos da comunidade árabe israelita, tinha adotado uma estratégia arrojada em 2015: tornar central a luta por direitos iguais na sociedade israelita. Este caminho, feito dentro das instituições, procurava conquistar a plenitude de direitos para 20% da população israelita. No entanto, a notícia dos despejos em Sheikh Jarrah e a violenta repressão deixaram exposta a fratura no país e lançaram o caos em várias cidades. Se a lei é injusta, a desobediência não é uma obrigação?

Concentração de apoio ao Povo da Palestina, Porto, 17 de maio 17h30, ponto de encontro na Praça da Palestina (Rua Fernandes Tomás)

Concentração de apoio ao Povo da Palestina, Porto, 17 de maio 17h30, ponto de encontro na Praça da Palestina (Rua Fernandes Tomás)

E o desrespeito contínuo pelos limites territoriais definidos pela ONU? Ou a contínua ocupação forçada de territórios palestinianos por forças israelitas? E a enorme favela em que transformaram a faixa de Gaza, negando dignidade a centenas de milhares de palestinianos? Ou a absurda equiparação entre a força e o poder de destruição de um dos mais bem equipados exércitos do mundo com o uso de engenhos artesanais? Tudo em nome de quê? Do mesmo fanatismo que acusam ao Hamas e que serve para alimento mútuo.

A hipocrisia dos apelos à paz, ao fim das hostilidades entre as partes, é parte da tragédia. O mundo não quis saber, os seus dirigentes não querem saber. É mais simples atribuir as culpas a um rocket qualquer do que reconhecer a conivência com o genocídio em curso. Israel quer tornar impossível a existência da Palestina e o mundo lava as mãos como Pilatos.

Biden não renega Trump e continua a aceitar as cedências feitas a Benjamin Netanyahu. A União Europeia está refém do conselho de segurança da ONU onde os EUA impedem qualquer ação. O Governo português envergonhou o país com a submissão à violência de Israel e a rendição à ideia do “ambos têm culpa”. Falta coragem, falta decência.

A construção da paz exige a ação solidária contra a ocupação, uma ação internacional coordenada, o cumprimento dos acordos internacionais firmados e o respeito pelos direitos humanos. Se verdadeiramente se quer evitar a guerra, é este o caminho para a paz.

Artigo publicado no jornal “Público” a 14 de maio de 2021

Sobre o/a autor(a)

Deputado, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, matemático.
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